Folha de S. Paulo


Feministas malas-sem-alça

Nunca me considerei feminista. Não é por nada, não. Para mim, feministas são pessoas engajadas, que lutam de alguma forma por igualdade, liberdade e segurança para as mulheres. Então, resolvi fazer um teste simples, que encontrei na internet. Descobri que sou 100% feminista. E pensei imediatamente: mala-sem-alça.

Não sou a única. Com tanta patrulha por aí, as causas importantíssimas pelas quais as militantes lutam têm ficado em segundo plano. A palavra feminista virou sinônimo de ódio, intolerância, radicalismo —ou só chatice mesmo. Feminista virou xingamento e muita gente que se encaixa em todos os requisitos para ser uma vem fugindo do carimbo porque não quer essa pecha para si. Sou uma delas.

Todo dia tem uma notícia que reforça a rejeição. Primeiro foi a camisa do cientista britânico Matt Taylor. A estampa era uma colagem de mulheres em poses e roupas sensuais. "Uma pequena camisa para um homem, um enorme passo para o sexismo", disse uma professora universitária. O cara coloca uma sonda num cometa na conchinchina do universo e tem gente que vai reclamar da camisa dele. Não sei vocês, mas a única coisa que a indumentária me fez pensar foi que cientistas deveriam ter personal stylists. A camisa era cafona, sim, mas tinha sido presente de uma amiga artista plástica. Amiga = mulher.

Em seguida, Gregório Duvivier foi acusado por uma ala do feminismo de roubar o protagonismo da discussão do aborto no país, porque saiu na capa da revista TPM defendendo a importância de se falar do assunto. Posso imaginar a mulherada esperneando, e acho surpreendente que tenha gente querendo ser dono da bola num assunto importante para todos.

Por fim, nesta terça-feira, a marca de lingerie Victoria Secret's realizou seu famoso desfile anual. Gostou? Eu adorei. Quero cada um daqueles modelitos da passarela. Lá vieram as feministas gritando de novo. E umas jornalistas para envergonhar a classe, ao perguntarem a algumas modelos se elas não se sentiam objetos de consumo masculino por se vestirem daquela forma. Eu não imagino melhor maneira de mostrar quem manda e quem tem poder do que essas moças deslumbrantes, viajando pelo mundo, ganhando milhões para vestir calcinhas e sutiãs espetaculares.

Não foi a primeira vez que a marca foi alvo das feministas. Há alguns anos, a VS lançou uma coleção de calcinhas com os dizeres "No means No", "Ask first", entre outros. Pra mim a mensagem é clara. As radicais americanas viram isso como parte da cultura de perpetuar os estupros, que sexo tem a ver com sentir-se bem e não como parecer bonita. Bem, eu me sentiria melhor com uma calcinha bacana, que ainda trata de um assunto de uma forma leve, sem, no entanto, deixar de chamar atenção para um tema sério.

Antes que eu seja apedrejada, quero deixar claro que minha mãe é feminista de carteirinha. Por causa dela, provavelmente eu sempre fiz o que quis da vida e sempre olhei para os homens como iguais. Meu pai também deve ser feminista, porque lá em casa, não somente as contas, mas as tarefas domésticas sempre foram divididas. Ele me ensinou a esquiar, me deu uma moto aos nove anos e até hoje diz que eu dirijo melhor do que meu irmão. Desculpa aí, Nando. E a cada namorado que eu arranjava, ele lamentava: pare com essa mania de querer casar.

É triste ver quem milita de uma forma equilibrada e pacífica tendo que lutar por uma causa, e ainda combater radicais, misândricas, anarcafeministas para manter a reputação e a seriedade do assunto. Se você é feminista, logo é tachada de mal-amada, mal-comida, sapata, mala-sem-alça. Provavelmente algumas até são.

O que eu concordo com a massa que torce o nariz para as feministas é que elas não tem o direito de definir o que é melhor para cada mulher. Ficar em casa, sem trabalhar e cuidar dos filhos é tão nobre quanto trabalhar 12 horas por dia. Malhar o dia inteiro e concorrer a miss bumbum, bem, não tem nada de nobre, mas é problema de quem escolheu isso para sua vida.

Demonizar os homens como se fossem os culpados de tudo também não dá. Homogeneizar a categoria é outro tiro no pé das feministas malas-sem-alça. Homem é bom, homem é divertido, homem é uma delícia. A vida é melhor com eles. Só é preciso escolher direito com quem se relacionar. Posso garantir que há exemplares do sexo oposto muito mais feministas do que boa parte das mulheres, que não perdem a chance de apontar o dedo para a sirigaita que não se dá ao respeito.

Não estou aqui levantando bandeiras. Tem gente tarimbada para tratar de assuntos como a violência contra a mulher, por exemplo. Sou feminista pela forma com que levo a vida. Mas pode não ser a escolha de outras mulheres. Quero ganhar a mesma coisa que um homem. Escolhi minha profissão, cuido do meu dinheiro —mesmo que mal. Adiei a maternidade —e nunca fui cobrada por isso. Como eu já contei, quem cozinha aqui em casa é meu marido —e eu lavo a louça. Sempre classifiquei os homens para transar, para namorar e para casar. Meu corpo, minhas regras.

Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três para o primeiro me chamar de machista. Ou de piranha.


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