Folha de S. Paulo


Como dar um pé na bunda com classe

O fim de namoro mais cruel que eu conhecia era o famoso Post-it grudado na tela do computador de Carrie Bradshaw, em Sex and the City. Burger, o namorado, nem conhecia Cazuza, mas desliza sorrateiramente da cama no meio da noite e deixa o seu bilhetinho azul, que nesse caso era amarelo: desculpe, eu não consigo. Não me odeie.

E vaza.

Foi o ícone da covardia e filhadaputagem para mim durante muito tempo. Mas naquela época as redes sociais estavam apenas engatinhando e não davam mostras de que até para dizer 'eu não te amo mais' a maldade é sem limite. Vi um cara trocar o status de relacionamento no Facebook. Passou de 'em um compromisso sério' para 'solteiro', e em seguida deletar a largada. A largada era eu. Eu que nunca tinha levado nem fora por telefone, estava ali em praça pública sendo rejeitada virtualmente por um amor da vida real.

Sou de uma época que isso era feito pessoalmente. A gente podia chorar, fazer uma chantagem emocional e quem sabe ganhar uns dias de sobrevida para encarar o inevitável. Quando qualquer das partes decide que já era, fatalmente já era. Quase nunca temos maturidade pra enfrentar o fato de que aquela pessoa simplesmente prefere comer jiló a continuar o relacionamento.

Você é gata, estilosa, faz o quadradinho de oito na cama. Sinto muito. Passou a ser tão atraente quanto um iPhone 4. Foi legal um dia, mas está ultrapassado hoje. Não adianta trocar a capinha –mudar o corte de cabelo ou comprar uma roupa. O outro nem percebe, porque você já é história. Então, economize no cabeleireiro e nem pense em gastar o que não tem num vestido novo.

Já fiz isso. Além de ter ficado chupando um picolé bem azedo, tive que lembrar da besteira durante seis longos tenebrosos meses, cada vez que a fatura do cartão chegava e me jogava na cara o pé na bunda e o prejuízo de quatro dígitos. Nunca mais consegui usar o vestido de raiva de mim mesma.

Não interessa o quanto você seja bem resolvida. Uma rasteira dessa é uma regressão à estaca zero de anos de terapia. Tudo volta a ficar mal resolvido, inclusive o que não era mal resolvido. Quase impossível não pensar o que fiz de errado, o que poderia ter feito diferente. A gente se culpa. Mas a verdade é que ninguém tem culpa de nada. Só não deu certo. E o que nos resta é jogar uma pá de cal na coisa toda de um jeito que seja menos dolorido.

Triste realidade é que quando se trata de relacionamento, todo mundo capricha na entrada e a maioria faz uma lambança na saída. Sobra apenas sofrimento, tristeza e raiva para contar a história.

Há várias formas de terminar o que um dia a gente chamou de amor de uma forma mais decente, mais digna e menos escrota. Nenhuma delas inclui Post-its ou humilhação virtual. Isso vale para homens e mulheres. A vida nos torna especialistas em dar e receber pés na bunda, mas nem sempre a gente absorve a lição. Não sei se aprendi todas. Aqui vão algumas que eu trago da minha vida de solteira.

- Termine cara a cara
Houve um tempo em que tudo era chamego. Agora que acabou o amor, você quer se livrar do pepino à distância. Na-na-ni-na-não. Não interessa se está morando no Alasca. Alugue um trenó, monte numa rena, mas seja homem ou mulher ou lobisomem e acabe com a brincadeira pessoalmente. Não vale telefone, Whatsapp, inbox do Facebook, Twitter e muito menos Post-it. Já vimos que não dá certo.

- Seja sincero
Diga que não gosta mais, que o amor acabou, que prefere ficar solteiro. Mas não invente que está ocupado demais no trabalho, que a bolsa em Bangladesh despencou três dias seguidos, que vai passar um tempo em casa com medo do Ebola. Lembre: pessoas apaixonadas ficam meio burras. Se você não for claro, o outro vai entender apenas o que quer. E nunca será "ele não gosta mais de mim".

- Seja simples e direto
Isso não é uma declaração de amor. Portanto nada do que você falar vai amenizar a decepção e a tristeza imediata. Nada do que você disser será o que o outro quer ouvir. Então, economize. Se faltar clareza e firmeza, alguém pode ir direto no pai de santo pedir que traga seu amor de volta em 48 horas.

- Mas seja fofo
"Nunca te amei", "não sinto mais tesão", "quero passar o rodo". Pra quê? A pessoa já está ali se sentindo o coleguinha que não foi escolhido para entrar no time e você ainda tripudia. Gentileza gera gentileza, e evita ex-namoradas contratando pai de santo para vuduzar a vida do ex. Seja eficaz, sem causar danos.

- Não é você, sou eu
Não cola. Vamos combinar uma coisa: se você acha a garota o último palitinho da bateria, ficaria com ela. Então, sim, o problema pode não ser ela, mas o fato de você não estar mais a fim. Elogie, mas não se enrole. Cada vez que eu ouvi essa desculpa esfarrapada lá se iam mais seis meses e um dinheirão na terapia pra tentar saber por que o fubá tinha desandado.

- Time break
Você já sabe que não quer e faz o que? Diz que o gato subiu no telhado. Esqueça tudo o que você ouviu sobre as mulheres. Quando a gente gosta de alguém, fica cega, surda e muda. Entra num estado vegetativo. Se você não tiver atitude, ela também não terá. Aqui entra um ditado que nunca fez tanto sentido. A esperança é a última que morre. E se tem algo que uma mulher apaixonada tem na vida é esperança.

- Assuma a sua decisão
Ninguém quer ser o malvadão da história, mas se você não quer mais, sobrou para você. Não infernize a vida da garota para que ela se encha. Trair e deixar pistas, sumir, não atender o telefone, inventar compromissos, implicar com ela, com os amigos dela, com a manicure dela não vai resolver nada. Lembre-se: mulheres apaixonadas costumam ter mais paciência do que jogador de xadrez.

P.S. Eu coleciono pés na bunda. Dados e levados. E coleciono amizades com ex-namorados. Apenas quando a relação acabou limpinha, sem penas voando para todos os lados. Depois que passa a tristeza, ficam as lembranças só do que foi bom. Porque sempre tem a parte boa, certo?


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