Folha de S. Paulo


O fim do eleitor típico

Na semana passada, enquanto eu dobrava uns pares de meia e Ivonilde passava roupa, perguntei se ela havia decidido seu voto. Descobri que votaríamos no mesmo candidato. Não só para a Presidência como também para o governo do Rio.

Ivonilde me ajuda aqui em casa, duas vezes por semana, há dois anos. Ouvimos, mais do que vemos, o noticiário na TV, fazemos alguns comentários. Nós duas assistimos ao debate dos presidenciáveis até o fim. Falamos das eleições, ela me conta que Bruna, a filha mais velha, quer fazer arquitetura. Me diz que acabou o sabão em pó, pergunta se quero que troque a colcha da cama.

Nossos mundos são separados pelas duas horas de ônibus que Ivonilde leva para chegar à minha casa, na Barra da Tijuca. Fora as outras duas em sua volta para Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. São vidas muito diferentes, mas que se aproximam na época de eleição porque nossas reivindicações são bastante parecidas. Mesmo assim, os institutos de pesquisa insistem em definir como seriam os eleitores típicos deste ou daquele candidato.

Eu me pergunto para que servem essas informações, a não ser para proveito político e para fomentar discórdia e preconceito entre os próprios eleitores. E disseminar rótulos que só servem para estereotipar e baixar o nível da conversa. A própria Folha publicou no domingo uma reportagem que trazia um produtor rural como eleitor de Dilma e um empresário apoiando Aécio. Tão óbvio, tão verdadeiro e tão errado.

Há centenas de rostos, profissões, crenças, escolaridade, formação, saldos de banco diferentes, que votam em partidos e pessoas variadas. Nas redes sociais, que englobam gente de praticamente de todas as classes, seria praticamente impossível mapear esse eleitor típico.

Tenho amigos que optaram por ao menos cinco candidatos diferentes à Presidência. Conheço famílias em que pais e filhos não votam nos mesmos nomes. Casais que têm escolhas opostas. Isso, sim, merecia reportagem, estudo antropológico.

Não seria o esperado? Numa sociedade tão multicultural, que vem amadurecendo eleição após eleição, as divergências políticas acontecem cada vez mais de forma horizontal, e não só vertical. Essa guerra de classes catapultada pelas redes sociais durante as eleições é tão menor e tão mais desinteressante que o fenômeno da diluição do tal eleitor típico –e só empobrece o debate.

Claro que ainda há currais eleitorais, mantidos assim por interesse político, onde as pessoas ainda se encaixam na descrição clássica do eleitor típico. Mas nos centros urbanos, onde mora a maioria dos eleitores, a realidade é outra. Cada vez menos o voto é definido apenas por uma condição social, uma profissão ou seja lá o que for. As pessoas mudam, o voto muda, quem ganha com isso é a democracia.

Durante 20 anos, eu e minha melhor amiga votamos em direções antagônicas. Sempre concordamos em quase tudo na vida, menos em política. Pela primeira vez, estamos do mesmo lado. Mais que deixar meu ego se inflar, fiquei contente de ver que as opiniões mudam, as pessoas reavaliam as propostas nas quais acreditam. Hoje foi ela. Amanhã posso ser eu, a Ivonilde ou você.

Todo mundo tem um pouco de coxinha, reaça, esquerdopata, playboy, vagabundo em algum momento da vida, em doses menores ou maiores, por motivos legítimos ou não. Votar em Dilma ou em Aécio não define o perfil de ninguém. Rotular os outros é não somente leviano, como ridículo.


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