Folha de S. Paulo


Mulher não dorme, mulher dá um tempo

Perdi o sono às 4h da manhã e só consegui dormir novamente às 8h, quando seria hora de acordar. Fiquei num mau humor do cão, distribuindo grosserias pra quem estivesse em volta, com raiva da noite mal dormida, do dia cheio que tinha pela frente, do mundo que não parou pra que eu pudesse dormir.

Ansiedade, aqui me tens de regresso. Falta ar, dá palpitação, a cabeça gira com cenas repetidas, trechos de uma música irritante qualquer, diálogos imaginários, sem lógica, sem conclusão, o cérebro em pleno colapso. Um buraco no estômago que progride para gastrite. A mandíbula amanhece trincada. É bruxismo. Taí, só pode ser. É macumba. Colocaram meu nome na boca do sapo, mataram uma galinha, beberam o sangue.

Certeza que é isso. Vou pegar um galho de arruda, tomar um banho de mar, pedir pra que São Longuinho afaste esses urubus que atrapalham meu sono e minha vida. São Longuinho não tem nada a ver com isso? Mas não é ele o santo que encontra coisas perdidas? Perdi meu sono, minha paz, estão desaparecidos há dias.

Tenho poucas invejas na vida. Meu olho fica gordo em quem tira férias quatro vezes por ano, em quem tem cabelo bonito, em quem não roi unha e em quem dorme. Mas tenho mais inveja de quem dorme.

Mulher não dorme, mulher dá um tempo. A gente fecha os olhos, mas a vida continua. Quero encontrar no escuro respostas para os problemas que não tive a clareza de resolver durante o dia.

Entro no Facebook de madrugada. Só tem mulher. Todas reclamando da insônia. Não há chá de camomila e Rivotril no mundo que de conta de tanta mulher acordada.

Homem, não. Homem dorme. Brigo com meu marido, ele vira para o lado e apaga. Eu quero conversar, fazer as pazes, me atirar do 19º andar de insônia, e ele no 20º sono.

A bolsa caiu, o cara vira de lado e dorme. Levou um pé na bunda, vira para o outro lado e dorme. Foi demitido, dorme de roncar. Onde fica o maldito botão do desliga que funciona tão bem com eles?

A gente perde o sono por tudo. E se sabe que precisa dormir, daí é que não prega os olhos. Acorda parecendo um urso panda de tanta olheira. Não durmo quando estou muito triste, muito feliz, com muita cólica, muito preocupada, muito excitada, cansada demais. Basicamente, nunca. Sempre tem alguma coisa que extrapola o razoável. Rezo por dias de calmaria.

Dia desses alguém disse: passo o dia morrendo de sono e quando chega à noite tenho vontade de fazer um churrasco e sambar até amanhecer. Era mulher, claro, igualzinha a mim. Formô.


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