Folha de S. Paulo


Só queria que vocês tivessem jogado

Não, eu não fiquei triste. Fiquei só com vergonha. Vergonha que foi se dissipando com o humor inglês que baixou na minha timeline ainda durante o jogo. Mas quando acordei no dia seguinte e vi um monte de gente num chororô sem fim, questionei a minha sensibilidade. O que será que aconteceu que não me deu nenhuma tristezasinha, que não senti pena daquele bando de perna de pau, daquele jogo chinfrim que a nossa seleção apresentou durante a competição inteira? O que eles estão vendo que eu não estou? Como posso simplesmente não ligar?

No dia que resolvi aproveitar a Copa, incluí no pacote torcer muito pelo nosso time. Juro que tentei me inebriar pelo patriotismo, queria agarrar amor pela camisa, pela chuteira, pela sunga da Blue Man. Queria fazer nail art, mechas coloridas no cabelo, pintar o rosto com as cores da bandeira.

Quis acreditar na seleção e no frio. Comprei um poncho verde e amarelo. Sim, um poncho. Lindo e fashion. No dia da abertura da Copa, fez um calor de suar na bunda, deixei o poncho em casa, improvisei qualquer coisa para entrar no clima. Estava decidida. Quase fiquei em pé na casa de amigos pra cantar o hino junto com a multidão do estádio que emocionou com a capela. Engasguei. Pensei: pronto, tô dominada. Até o final da Copa vai faltar voz e coração pra torcedora que tinha ressuscitado dentro de mim.

Mas já no segundo jogo, percebi que eu me sentia como se estivesse em um daqueles relacionamentos que a gente sabe que não dá certo, mas se esforça, se arrasta, vira gato e sapato, porque quer acreditar que ainda tem fôlego, que vale a tentativa, que alguma coisa vai mudar. Mas não muda.

Só piora. Você percebe que o outro lado também não acredita num futuro feliz. Aquele bando de moleques chorando parecia dizer 'não é você, sou eu, não estou pronto para isso'. Não estavam.

Me peguei torcendo muito mais pelos Estados Unidos no jogo contra a Bélgica. Me vi andando de um lado para o outro enquanto Holanda e Costa Rica disputavam nos pênaltis. Queria ter sentido pelo Brasil o mesmo entusiasmo. Queria que chegasse o dia que o time iria desencantar, que aquela paixão voltaria, que finalmente poderíamos ter um final, se não feliz, ao menos consistente para reatar esse amor.

Queria ter visto garra, paixão e vontade. Queria olhar para eles e ter motivos pra torcer com o coração. Queria ter me emocionado, ter me sentido mais solidária, ter ficado um pouco desolada pelo fiasco. Mas ontem, acordei com uma ressaca moral, daquelas que a gente tem quando dorme com o ex, acorda e percebe que foi tudo um erro desde o início.

Não senti tristeza, nem pena, nem raiva, nem nada.

Tentei pensar em algo que despertasse um sentimento mais forte, queria sofrer ainda que um pouquinho. Nada. Daí me lembrei do David Luiz. Foi bonito ouvi-lo dizer que só queria dar alegria ao seu povo. Bonito e ponto. Mais do que alegria, no fundo, o que a maioria queria era que a seleção tivesse jogado de verdade. Só isso. Essa história teria terminado muito diferente.


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