Folha de S. Paulo


Oração do desencalhe

Sempre me confundi com os santos. Nunca soube para qual rezar. Já virei Santo Antonio de cabeça pra baixo e afoguei o pobre num copo d'água. Tenho certeza de que ele se vingava. Mandava homem, mas nenhum prestava. Tentei várias alternativas. Deixei dentro do congelador. Tirei o menino Jesus do colo. Só não fiz a simpatia da nota de R$ 2. Aquela que você coloca a nota entre a cama e o estrado, procura um mendigo no dia seguinte e... deixa pra lá.

Então, descobri que santo bom mesmo, desses que arranja marido, é São José. No dia dele, me explicaram, eu teria que sortear entre vários papeizinhos, o nome de uma fruta e passar um ano sem comer nada que levasse a bendita. Tirei jaca, sorri diabólica, mas logo pensei que não era justo enganar o santo. Detesto jaca. Estava em vantagem. O santo ia ter que se virar rápido.

Pensei em negociar. Um ano sem cerveja. Só volto a beber quando arranjar marido. Antes que o santo pudesse gostar da ideia, retirei a oferta. Prefiro ficar solteira. Deixei São José em paz.

Então, no casamento de uma amiga, recebi a oração do desencalhe. Tinha todos os santos no meio, um para cada causa. Não tem como vir homem ruim com essa quantidade de santo. Adaptei os pedidos às minhas necessidades. Não vou queimar mais uma chance. Chega de cara errado, pensei.

Ficou assim:

São Baltazar, quero me casar
São Benedito, mande um cara bonito
São Vicente, que seja um cara decente
São Raimundo, que não seja um vagabundo
São Luiz, que me faça feliz
São Manoel, que seja um cara fiel
São Thiago, que não seja viado
Santa Ana, que não seja um banana
São Benjamim, que só goste de mim
São Clemente, que seja um cara quente
São Virtuoso, que seja gostoso
São José, que esteja sempre em pé

Assim, tão detalhadinho e com tanto santo empenhado não é possível que eu não encontre logo este raio dessa alma gêmea. Guardei o papel na carteira, junto com aquele sapinho que traz dinheiro, mais o trevo de quatro folhas que eu mandei plastificar e um santinho do Santo Expedito, das causas urgentes.

Não entendi por que ele não estava na oração do desencalhe. É certo que poderia apressar as coisas. Assim como São Judas Tadeu que, todo mundo sabe, resolve até problemas impossíveis. E com tanta gente dizendo que está quase impossível arrumar marido, achei que valia o reforço. Incluí os dois.

Santo Expedito, que seja bem rico

São Judas Tadeu, que seja todinho meu

Não sei se foi milagre de um santo. De dois. Se foi a congregação toda. Ou se finalmente eu sabia que tipo de pessoa queria em minha vida. Mas há exatos dois anos, passei o último dias dos namorados sem ninguém.

Sentei num bar sozinha, pedi um chopp. Dois. Três. Pensei em como a minha vida era boa. Olhei todos aqueles casais ali, alguns com cara de entediados, todos com pena de mim. Pedi, acima de tudo, que se um dia eu estivesse com alguém, que essa pessoa tornasse a minha vida ainda melhor e mais feliz do que ela já era.

Não sei se teve milagre. Se teve o dedo de santo. Se o meu santo é que é forte. A verdade é que não acredito em nada disso, mas no fundo, acredito em tudo.


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