Folha de S. Paulo


Mãe, reza por mim

Se for para o seu bem vai dar certo. Passei a vida ouvindo minha mãe falar isso sempre que eu ligava para contar sobre algum plano mirabolante de conquistar o mundo. "Mãe, reza", eu pedia –coisa que nem eu mesma fazia. E lá vinha o mantra: se for para o seu bem vai dar certo.

Perdi a paciência certa vez. É claro que é para o meu bem. Como poderia ser para o meu mal mudar de trabalho, de cidade, ganhar mais. Eu ficava inconsolável, bufando pela casa. Se nem minha mãe acreditava, quem iria?

Eu pedia reza pra tudo. Um emprego pra crescer, uma casa pra mudar, um carro pra trocar, um namorado pra chamar de amor. Eu encasquetava com a ideia e queria que minha mãe rezasse pra dar certo. Mãe tem linha direta com o divino. Eu não tenho moral pra negociar nada. Só lembro de rezar quando é pra pedir. Então já chego devendo.

É sempre igual. Basta a gente querer pra achar que é o melhor. Fica cego olhando em uma direção, sem nem cogitar que há sempre outra. Outras.

Me chamaram para uma entrevista. Conheci um cara aí. Vou treinar pra uma meia maratona. Comecei uma dieta. O cara quer que eu vá morar com ele em Londrina. Quero que meu chefe se exploda. Mãe, reza.

Depois de muito tempo –e ponha tempo nisso–, alguma coisa como ontem, eu mesmo me adiantava: eu sei, mãe, se for para o meu bem vai dar certo. Até que chegou hoje. Eu pensando o que teria sido da minha vida se todas aquelas coisas que eu queria tão desesperadamente tivessem acontecido.

Teria me mudado pra Curitiba e não pra São Paulo (obrigada, senhor!); teria me casado aos 25 (Santo Antonio, você não vale nada!); teria virado repórter de política em Brasília (Vaguinaldo, te agradeço por ter dito não); teria casado com um neozelandês e moraria num barco (e o meu cabelo?); seria diretora numa empresa que demite gente a cada seis meses (passaralho de merda); teria casado com um cara que acha moderno usar bigode (eu sei, mãe, você não gostava dele); teria feito publicidade e não jornalismo (mãe, falei que era pra rezar!).

Eu me apaixono pelas pessoas, pelas ideias, pelos projetos. Mas acima de tudo, pelas mudanças. Elas vêm para sacudir, tirar do prumo, revigorar. A gente fica atiçado com os desafios. Quanto mais difícil, mais inatingível, mais errado, melhor.

Mãe, reza.

A minha às vezes fingia, eu sei. Porque toda mãe sabe que vai chegar o dia que o caminho fica mais claro, a alma mais leve e o coração tranquilo. Não precisa ser hoje o que pode esperar até o final do ano. A gente começa a distinguir o que quer e por onde ir de toda tentação que aparece com mais graça e mais cor. Fica simples e fácil dizer não.

Difícil é imaginar a vida como ela teria sido se nossa mãe tivesse rezado por qualquer coisa que a gente queria. A maravilha do destino, do carma, do deixa a vida me levar, do que quer que seja é descobrir o tanto que a gente teria se privado se aquilo que não era pra dar certo tivesse se tornado a nossa vida.

Não teria viajado pelo mundo de mochila. Não teria amizades tão duradouras. Não teria trabalhado com pessoas excepcionais. Não teria tido paixões inesquecíveis. Não teria encontrado o amor da minha vida. Não seria quem eu sou –com as dores e as alegrias.

Mãe, relaxa. Tá dando tudo certo. Do jeito que você sempre disse.


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