Folha de S. Paulo


Até a morte, tudo é vida

"Amada, tudo bem por aí? Minha cidade está cuidando de você como manda o figurino? Me conta tudo! Tenho pensado em você, amiga. Tudo vai dar certo, siga confiante. Estou com seu short de seda bege, fui no Posto 6 com ele, rolou uma feijoada com samba na hora do almoço, tudo de bom. A Vila Madalena sente muito a sua falta. Você morando no Rio, que barato, era tudo que eu queria! Mas, se Deus quiser, em breve, tô de volta! Beijo grandão!!!"

Ro, não tá tudo bem. Fiquei sabendo agorinha que você se foi. Como assim? Ninguém está entendendo nada. Todos os seus amigos e até os nem tão chegados estão sem chão, sem saber o que pensar, nem o que dizer. Parece que a gente acordou com uma ressaca amarga daquelas, com a sensação de que perdeu alguma coisa da vida que passou. Perdemos.

Com a ressaca veio angústia, tristeza e um buraco negro de perguntas. Por que você não contou nada? Por que não pediu colo? Por que não avisou que não tínhamos muito tempo?

A gente teria se falado mais, dado uma trégua na pauleira, deixado a gincana do dia a dia pra se encontrar. A gente teria feito tudo aquilo que combina, mas que a vida atropela. A vida me atropelou agora. E agora não dá mais.

Até a morte, tudo é vida. Cervantes não sabe, mas escreveu isso para você. Escreveu sem nunca ter ouvido sua gargalhada, sem ter visto seu sorriso largo, escancarado. Ele teria te olhado e dito: que barato. É, Ro, você sabia que a vida era um barato.

Você se foi e nem contou o que colocava naquela Pepsi Twist light, que te dava essa alegria escandalosa de viver. Certeza que você turbinava aquela latinha. Só pode. A gente nos botecos se encharcando de cerveja pra amortecer todas as chatices que nos engolem e você se acabando de rir, esquentando uma Pepsi na mão. Eu sei era só Pepsi. Mas no mundo de Prozac e Rivotril, essa sua efervescência só poderia ter cachaça ou droga no meio. Não tinha. Tinha só você.

E o Rio? O Rio tava te esperando de braços abertos. Eu sei, é clichê dos piores, mas a cidade está precisando de gente como você, com esse amor cego e incondicional. A cidade está feia, largada, perigosa, mas eu sei que você não dá nem um tchuns pra isso. Pra você a vida clichezão era o que bastava. Praia, Flu campeão, marido e filhos por perto.

Tá doendo em mim, tá doendo num mundão de gente que gosta da Ro. É egoísmo nosso, ninguém quer sofrer com a ausência de quem a gente gosta. Dá uma raiva da vida, porque não dá pra acreditar que alguém tão cheia dela, dessa vida louca, possa morrer.

E na semana que eu li o texto lindo do Gregorio Duvivier que dizia 'ai, que vida boa', perdi uma grande amiga e só penso, ai, que vida de merda.

Rosana Faria de Freitas, a Ro, era jornalista, e amiga de todo mundo.


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