Folha de S. Paulo


Susan Miller não tem culpa

Esse negócio de Carnaval em março é a melhor desculpa pra deixar pra semana que vem o que a gente poderia ter começado no ano passado. Bem, a 'semana que vem' chegou -e está quase acabando. Parece que foi ontem que eu e todo mundo estávamos reclamando de 2013, implorando que ele chegasse ao fim, mirando na virada do ano como se fosse a solução de todos os problemas: do quadril de pneu, do trabalho chato, da vizinha barulhenta, da grana curta, da fome mundial, cansada de responder 'solteira' até no cadastro da loja. A gente acredita que o calendário tem esse poder. Mas quando eu e você acordamos nessa segunda, quando finalmente a semana que vem chegou, estava tudo igualzinho, a choramingueira pelos mesmos motivos que nos fizeram achar 2013 meia boca. E lá se vai quase ¼ do ano e a gente não se deu conta que está repetindo a receita do fracasso do ano anterior.

Passamos 2013 acreditando que no mês seguinte, quando Marte não estivesse mais retrógrado - ou será que era o alinhamento dos planetas? - finalmente todos os sonhos iriam se realizar. Passou o Carnaval, o imposto de renda, fez frio, nevou, o tomate ganhou status de lichia, Daniela Mercury casou pela terceira vez, Eike Batista quebrou, fez 50 graus no Rio 40 graus, Jeniffer Lawrence caiu de novo no Oscar. E o que mudou? Nada. Ficamos mais um ano longe de ter a vida que planejamos. Não deveria ser tão difícil, tem um monte de gente lá fora fazendo planos e fazendo acontecer. A gente jura, promete, entre um gole de champanhe, uma uva ou uma garfada de lentilha, que vamos colocar a vida nos trilhos. E fazemos o que? Continuamos lendo o horóscopo à espera de um milagre. Mas de que adianta o universo conspirar se a gente continua se boicotando?

A maioria das pessoas, eu incluída, é mais eficiente em arranjar desculpa do que ser feliz. Vive numa eterna cobrança de coisas que nunca vai fazer. Ou porque não são importantes ou porque nem queremos de verdade. A gente estipula metas impossíveis e não fazemos nem o básico. E, claro, adoramos essa infelicidade diária, rotineira, gostamos de vestir a carapuça de que nossa vida é miserável. É mais fácil colocar a culpa na Susan Miller do que assumir a incompetência ou preguiça de resolver a própria vida. Ser feliz é uma ralação diária e leva tempo ver o resultado de transformar projetos em realidade, mas a gente segue engolindo um monte de sapo porque é mais confortável. O trabalho é um tédio, mas dá para pagar o aluguel, comprar umas roupinhas, retocar as luzes do cabelo e 'até' ir para Miami uma vez por ano. O namorado é mais ou menos, mas não ronca, não enche o saco e não dá em cima das suas amigas.

A gente se convence de que não dá para focar no que realmente importa antes de resolver o licenciamento do carro, de chamar o marceneiro, de emagrecer 5 kg, de lavar a louça. Fica tudo pra semana que vem, pra depois da Páscoa, depois da Copa, depois das eleições, quando os planetas estiverem alinhados, quando a Susan Miller disser que agora vai. A semana que vem chegou. O carro, a estante nova, a dieta, a pia entulhada podem esperar. Vamos ser felizes a partir desta semana quando, dizem, o ano começou de novo. Agora vai. Tem que ir. Susan Milller não tem culpa. Ela, a culpa, é toda nossa.


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