Folha de S. Paulo


O parto e o vôlei

Até um parto (isso mesmo, o nascimento de uma criança) tem deixado em alerta o técnico da seleção feminina de vôlei, José Roberto Guimarães.

Definir o time que vai para uma Olimpíada não é tarefa simples. E se torna ainda mais complicada quando sua missão é buscar a terceira medalha de ouro seguida.

Não faltam dilemas para o treinador, que nesta semana convocou 19 jogadoras –sete delas não chegarão à cerimônia de abertura.

A começar pelas levantadoras. Dani Lins, que assumiu a vaga de Fofão na campanha vitoriosa em Londres-2012, é a dona da posição.

A dúvida está no banco. A escolhida seria Fabíola, não fosse um detalhe: ela está grávida, e o parto deve acontecer em maio. Ela terá menos de três meses para estar pronta.

A jogadora foi convocada pelo treinador, está se cuidando sob supervisão do preparador físico da equipe e quer jogar. Mas até o modo como o bebê virá ao mundo preocupa: uma cesárea inviabilizaria um retorno tão rápido ao alto nível.

Por isso, o treinador chamou mais duas levantadoras para disputar a vaga. Roberta, campeã da Superliga pelo Rio de Janeiro, leva vantagem. Naiane, do Minas, corre por fora.

A forma física das atletas é outro ponto que tem recebido atenção especial. Não haverá muito tempo para preparar a equipe, e as jogadoras precisam se apresentar bem para aguentar o ritmo pesado de treinos e jogos até agosto.

Em alguns casos, no entanto, não basta caprichar na musculação. A oposto Sheila não tem problemas físicos, mas tem sido mantida na reserva em seu clube na Turquia. Neste caso, pode faltar ritmo de jogo.

A iminência da disputa dos Jogos, em si, já é motivo para perda de sono. Nesta temporada, no entanto, o principal rival das brasileiras aparece como um pesadelo ainda maior.

Os EUA conquistaram o Mundial de 2014 e o Grand Prix de 2015. O técnico Karch Kiraly tem nas mãos uma geração extremamente talentosa, que joga em alto nível não apenas quando está junta. Boa parte das jogadoras se espalharam por importantes campeonatos do mundo, mantendo contato com rivais que encontrarão na Olimpíada.

As brasileiras, nesta temporada, ficaram, em sua maioria, concentradas em equipes do Brasil.

Há, sim, problemas a serem resolvidos, mas Zé Roberto também tem motivos para estar otimista. O grupo parece mais maduro e motivado do que o que chegou aos Jogos de Londres, em 2012.

Na última Olimpíada, o time passou por um sufoco daqueles difíceis de superar. Na primeira fase, teve um desempenho sofrível, com a pior campanha desde Seul-1988. Quase nem chegou aos mata-matas. A cabeça das atletas não estava boa, e isso se refletia em suas atuações. O ouro de 2008 pesava nos ombros.

O time se acertou na marra, com o campeonato andando. Lavou a roupa suja, corrigiu as falhas e conquistou o bicampeonato.

Em Pequim, quatro anos antes, a equipe havia chegado à Olimpíada ainda de cabeça baixa. O fantasma da derrota na semifinal em Atenas-2004 assombrava. A vontade de mostrar que não eram "amarelonas" foi o combustível que levou as brasileiras ao topo do pódio.

Agora não há vergonha e ainda existe a lembrança de como a perda de foco pode doer. Zé Roberto acredita que todos aprenderam essa lição. Já é um bom começo para uma campanha olímpica.


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