Folha de S. Paulo


Onde futebol é coisa de mulher

Ainda hoje, no Brasil, não é difícil encontrar quem diga que futebol não é coisa de mulher.

Nos EUA é diferente. O futebol que mais desperta a paixão dos norte-americanos é aquele jogado com as mãos. Com a bola nos pés, eles ainda são fracos. Elas não. Futebol (ou "soccer") lá é um território também feminino. As meninas podem aprender a jogar desde cedo e não enfrentam tantos olhares tortos quando calçam as chuteiras.

Não à toa, o país tem uma das melhores seleções do mundo.

A equipe venceu a Copa do Mundo três vezes -a masculina chegou, no máximo, às quartas de final.

Sabe o ouro olímpico que a equipe de Dunga buscará desesperadamente na Rio-16? Elas têm quatro.

O time masculino dos EUA ganhou uma prata e um bronze dos Jogos de 1904. Naquele ano, três clubes (clubes mesmo, não seleções) disputaram o torneio, e dois deles eram do país. A equipe não estará no Rio.

O time de estrelas como Hope Solo e Alex Morgan não faz sucesso só dentro de campo. Na Copa de 2015, a final que rendeu o título à equipe colocou 30 milhões de pessoas de em frente à TV nos EUA, um recorde para jogos de futebol no país, masculinos ou femininos. A audiência foi maior do que qualquer jogo de playoffs da NBA ou futebol americano aos domingos à noite naquela temporada. Milhares de pessoas foram às ruas de Manhattan para assistir ao desfile das jogadoras e celebrar a conquista.

Pois as atletas que ajudaram a seleção a atingir patamar tão alto brigam agora na Justiça para ganhar o mesmo que os colegas homens. A ação foi movida na Equal Employment Opportunity Commission, o órgão federal que aplica as leis de direitos civis contra a discriminação no trabalho. Elas querem que a US Soccer, a CBF deles, seja investigada.

No ano passado, a federação registrou um ganho de US$ 20 milhões com suas seleções. As atletas atribuem o valor ao título mundial e ao tour da vitória pelo país. Os jogos da equipe renderem US$ 17,5 milhões, contra US$ 9 milhões dos homens.

As jogadoras da seleção feminina são contratadas. Atletas top recebem até US$ 72 mil por ano (US$ 6 mil por mês). Os homens ganham por jogo. O prêmio por vitória é de US$ 17,6 mil, contra US$ 1,35 mil delas. Eles também levam US$ 5 mil se perderem uma partida. "Os números falam por si. Somos as melhores do mundo, e os homens ganham mais só para aparecer em campo do que nós por conquistarmos títulos", diz a goleira Hope Solo.

Quando a discrepância de ganhos entre mulheres e homens no esporte é discutida, sempre vêm à tona questões sobre quem atrai mais público e gera mais dinheiro. Na maioria dos casos, a resposta é: os homens. Mas
a seleção feminina dos EUA quebra este paradigma. Mais: tem resultados drasticamente superiores aos de seus colegas.

Mesmo assim, ganha menos.

O tratamento desigual dado por uma federação às suas modalidades masculina e feminina é prática comum. E, no mínimo, uma tremenda falta de visão. Esportes que passaram a focar os dois lados ganharam em dobro. O judô e o vôlei brasileiro são dois exemplos de proximidade nas condições dadas a homens e mulheres. O resultado são medalhas dos dois lados.

As jogadoras de futebol dos EUA estão pedindo por igualdade de pagamento. Pelo que fazem em campo, podiam pedir mais.


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