Folha de S. Paulo


Técnico símbolo de escândalo de doping volta após cumprir pena

Um dos técnicos mais reverenciados nas provas de velocidade e um dos símbolos do maior escândalo de doping do atletismo brasileiro. As duas facetas acompanham Jayme Netto. Mas é graças à primeira que ele quer voltar a ser notícia.

O técnico está livre para trabalhar com atletismo profissional e tem chances de brigar para estar à frente do revezamento 4 x 100 m do Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio.

Desta vez, o país não terá chances reais de medalha, nem verá na pista talentos como os que ganharam bronze em Atlanta-1996 e prata em Sydney-2000 com ajuda do treinador. Mas, para Jayme, poderá ser o grande símbolo de seu retorno.

O técnico foi banido do esporte em 2009 quando estourou o escândalo da Rede Atletismo, em que corredores da equipe foram flagrados em antidoping. A droga administrada era EPO (eritropoetina, que aumenta os glóbulos vermelhos do sangue). Jayme sabia que a substância era proibida, mas diz ter sido induzido por um fisiologista a aceitar seu uso no tratamento dos atletas, não na melhora de performance –EPO é geralmente usada por quem precisa de muito fôlego, como corredores de longas distâncias e ciclistas. Depois, o treinador admite que perdeu o controle e foi permissivo. Não negou sua falha.

Jayme recorreu do banimento à CAS (Corte Arbitral do Esporte) e conseguiu, em 2012, ter a pena reduzida para quatro anos. Mas sofreu outra punição: foi proibido pelo Conselho Regional de Educação Física de exercer sua função por sete anos, prazo que acaba agora.

O atletismo de velocidade que Jayme deixou em 2009 não evoluiu. Na lista dos melhores tempos nacionais da história, por exemplo, o primeiro nome desta década aparece apenas em 11º lugar –10s17 de Jefferson Lucindo. As marcas dos brasileiros também continuam muito aquém das internacionais. No ano passado, Vitor Hugo dos Santos, o atleta do país mais bem colocado, foi o 134º do mundo, com 10s22.

Para conseguir disputar uma vaga na comissão técnica da seleção, Jayme precisa ter sob sua batuta alguns dos mais velozes atletas do país. Em 2015, já livre de uma das suspensões, ele deu consultoria a três convocados para o 4 x 100 m no Mundial. Se passar a orientá-los oficialmente e eles continuarem rápidos, pode sonhar com a ida ao Rio.

A CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo) não vê impedimento para o retorno, desde que ele se enquadre nas regras de convocação. Segundo o superintendente de alto rendimento, Antônio Carlos Gomes, "o que passou passou" e se o treinador estiver liberado pela Justiça e preencher todos os requisitos, terá oportunidade de voltar à seleção.

A mancha do doping estará para sempre no currículo de Jayme, assim como suas medalhas. Com ele, a equipe nacional poderá ter de lidar com uma constante suspeita, mas também contará com o trabalho de um profissional vitorioso.

Dois lados. Qual deles seguir?

Aceitamos que um profissional que falhou e cumpriu sua pena possa ser diferente ao recomeçar? Não aceitar para evitar polêmicas ou por buscar uma "punição exemplar" é tentador. E seria mais fácil se os velocistas do país tivessem apresentado grandes resultados de 2009 pra cá. Mas a verdade é que isso não aconteceu. Enquanto Jayme estava fora, não corremos mais depressa. Agora saberemos se isso pode mudar com seu retorno.


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