Folha de S. Paulo


Atletas transgêneros têm caminho mais fácil para a Olimpíada

A certidão de nascimento mostra um nome masculino. Mas é uma mulher quem chega para competir.

A cena pode até ainda causar estranhamento, mas deve deixar de ser tabu nos Jogos Olímpicos. (E o mesmo vale para quem nasceu mulher e quer competir entre homens).

Os atletas transgêneros poderão disputar Olimpíadas sem terem mais de passar por cirurgia de mudança de sexo –essas pessoas têm identidade ou expressão de gênero diferente de seu sexo de nascimento.

Não faltam críticas e controvérsias. Mas inegavelmente foi um passo enorme dado pelo COI (Comitê Olímpico Internacional) neste ano para diminuir o preconceito.

A decisão não é uma regra, serve apenas como recomendação às federações que comandam as modalidades. São elas que definem quem pode ou não disputar seus torneios. E muitas nem sequer possuem regulamentações sobre transgêneros.

Antigamente, para serem liberados, eles precisavam passar por cirurgia nos genitais e por ao menos dois anos de terapia hormonal.

A operação não é mais necessária, mas há alguns detalhes na nova diretriz. Mulheres que se tornaram homens poderão competir em eventos masculinos sem restrições.

Já os homens precisarão manter seus níveis de testosterona dentro de um limite estabelecido durante pelo menos um ano.

Trata-se de uma questão biológica. A testosterona é um hormônio que aumenta a força do indivíduo, e o corpo masculino produz naturalmente mais do que o feminino.

Deixar um transgênero competir sem o controle hormonal poderia lhe dar uma vantagem injusta sobre as outras mulheres.

O COI diz que os avanços das legislações no mundo e dos direitos humanos o inspiraram a mudar as regras sobre cirurgia obrigatória.

A Corte Arbitral do Esporte já havia dado um passo nesta direção em 2015 na decisão sobre o caso de Dutee Chand. A indiana foi suspensa pela Iaaf (federação internacional de atletismo) por ter níveis de testosterona acima do permitido para atletas do sexo feminino. Ela é mulher, mas seu corpo produz naturalmente quantidade maior da substância.

A atleta não aceitou a imposição de se submeter a uma cirurgia e passar por tratamentos hormonais. Apelou à CAS e ganhou.

Graças a ela, mulheres na mesma situação podem competir sem ter sua feminilidade questionada.

A Iaaf tem até 2017 para provar ou não que atletas do sexo feminino com níveis altos de testosterona produzida naturalmente pelo corpo levam vantagem. Se isso acontecer, a regra pode ser mudada novamente.

Para definir quem pode ou não disputar eventos femininos, já foram feitos no passado exames dos genitais e testes de DNA. A última norma determinava limites para o nível de testosterona. Mas nenhum dos métodos se provou de fato eficaz.

O que tinham em comum era um efeito colateral: a exposição pública das atletas e o preconceito com quem tem aparência masculinizada.

Ainda há muitas dúvidas sobre a performance dos atletas quando falamos das questões de gênero. Uma preocupação correta é a de garantir disputas justas para todos.

Mas enquanto todas as dúvidas não são respondidas, as decisões dos juízes e do COI têm ao menos apontado para um bom caminho, que preserva a dignidade dos esportistas e anda na direção oposta à do preconceito e da exclusão.


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