Folha de S. Paulo


Controlar apostas é mais difícil do que flagrar dopados

Existem atletas que trapaceiam para ganhar. Já outros ganham quando sofrem uma derrota. Parece complicado?

Pois é o que parece estar acontecendo no tênis. Uma reportagem da BBC em parceria com o Buzzfeed afirma que as autoridades do esporte fizeram vistas grossas a denúncias de resultados arranjados. Funciona assim: um apostador paga para um tenista perder um jogo, um set ou apenas um game, de propósito. E graças a esse revés, ganha mais dinheiro com suas apostas.

Muitos dos atletas, que não tiveram seus nomes divulgados, estariam no radar das autoridades desde 2003 por conta de partidas suspeitas. Seriam mais de 70, 16 deles entre os 50 melhores do mundo, incluindo vencedores de Grand Slams.

O líder do ranking mundial, Novak Djokovic, disse já ter sido procurado por apostadores, que teriam lhe oferecido o equivalente a R$ 800 mil. Ele disse não.

Mas se os trapaceiros têm coragem de fazer uma proposta indecente ao melhor do mundo, não é difícil imaginá-los convencendo atletas menos expressivos a entregarem seus jogos em troca de uma boa quantia de dinheiro.

A sombra das apostas não é novidade. Tanto que em 2008 a federação que comanda o esporte criou a Tennis Integrity Unit (Unidade de Integridade do Tênis), um órgão com nome de seriado policial norte-americano que é responsável por investigar e punir atletas envolvidos nesse tipo de trapaça.

A entidade afirma ter punido 13 tenistas de rankings baixos e banido cinco deles pelo resto da vida. Todos por manipulação de resultados. A investigação da BBC e do Buzzfeed, no entanto, aponta que o trabalho e os resultados da TIU são pequenos diante da quantidade de denúncias. Dizem que foram encontradas evidências de fraudes em muitos outros confrontos, mas nenhuma medida teria sido tomada.

O fato é que o nome é pomposo, mas o órgão tem um poder de alcance bem limitado. A entidade conta com seis investigadores e orçamento anual de US$ 2 milhões. Com esse dinheiro e essa estrutura, precisa zelar por cerca de 120 mil jogos de tênis a cada temporada, em diferentes partes do mundo. Ou seja, cada profissional teria de cuidar de 20 mil confrontos –ou cerca de 55 partidas por dia. A TUI precisa monitorar não só grandes torneios mas também os circuitos de nível mais baixo.

Sem contar a dificuldade para conseguir evidências das trapaças. Para provar que um atleta entregou um jogo, é preciso ter acesso a dados como sigilos telefônico, de banco ou arquivos de computador para conseguir documentos que mostrem a ligação deles com os apostadores.

Muitos torneios menores têm tido suas premiações aumentadas para serem mais atrativos aos tenistas e, quem sabe, afastarem a tentação do resultado arranjado. Mas as cifras ainda são bem menores do que aquelas com que os apostadores trabalham. Segundo a federação internacional, só as apostas em partidas de tênis movimentam US$ 22 bilhões por ano.

A luta contra as apostas é tão difícil quanto a contra o doping. Talvez mais. Há muita gente interessada na continuação das trapaças, que faz vistas grossas ou incentiva a prática. Mas há também quem compre a briga de verdade. E para isso, não adianta só criar um órgão com nome à la CSI. São necessárias investigações profundas e punições severas, que marquem o tenista que tentar jogar sujo.


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