Folha de S. Paulo


Por que atletas brasileiros têm medo de criticar os cartolas?

Jogadoras sem as mesmas condições que os homens. Um técnico que não acompanha o desempenho das atletas. Falta de planejamento. Desempenho ruim em quadra. Estes são os pontos centrais apontados pelos técnicos dos principais clubes femininos de basquete do país para boicotar a seleção. A ideia é pressionar a CBB e conseguir melhores condições para a equipe no caminho rumo à Rio-2016.

Para piorar o cenário, o presidente da entidade, Carlos Nunes, é suspeito de irregularidades no uso de verba pública, como mostrou uma série de reportagens do UOL.

E o que dizem as jogadoras, as principais prejudicadas por tudo isso? Publicamente nada.

Nas palavras de um dos líderes do movimento, os treinadores decidiram tomar as rédeas porque as atletas "não têm força para falar".

Como assim não têm força?

Esportistas organizados já ajudaram a derrubar dirigentes que se portavam como ditadores e haviam sido acusados de falcatruas. Gustavo Kuerten liderou um boicote à seleção para tirar Nelson Nastás do comando do tênis. Os judocas se uniram para acabar com os desmandos de Joaquim Mamede na CBJ mesmo sendo tirados de campeonatos internacionais como retaliação. Cesar Cielo peitou a CBDA e foi treinar nos EUA apesar das ameaças de corte de patrocínio de quem saísse do Brasil.

No ano passado, jogadores de vôlei usaram as redes sociais, a imprensa e vestiram narizes de palhaço em jogos para protestar contra o então presidente da CBV, Ary Graça Filho, acusado de desvio de dinheiro. A entidade chegou a perder o patrocínio do Banco do Brasil por conta das irregularidades, e a pressão das quadras foi fundamental para dar mais visibilidade ao caso.

Os atletas podem, sim, ter força. Mas nem todos estão dispostos a se arriscar ou podem pagar o preço de bater de frente com a cartolagem.

As jogadoras de basquete não estão sozinhas no silêncio. O tênis brasileiro é novamente alvo de denúncias de má gestão. Desta vez, não houve boicote nem movimentação dos atletas.

Fernando Meligeni, um dos melhores e mais críticos tenistas que o país já teve, esboçou à Folha uma explicação para a apatia geral: "A gente vive a ditadura do dinheiro. Eu pago, ajudo e você cala a boca".

Ele tem razão. O esporte brasileiro nunca teve tanto dinheiro. E para a verba pública chegar aos atletas, ela passa primeiro pelas mãos dos dirigentes. Os pagamentos de patrocínios e convênios com o Ministério do Esporte são feitos às confederações. O montante da Lei Piva é dividido pelo COB (Comitê Olímpico Brasileiro) para as entidades esportivas.

O cartola com o qual você não concorda é o mesmo que assina seu cheque, que te manda para competições, que pode ou não te convocar. E se você não é um Gustavo Kuerten, um Cesar Cielo, famoso e consagrado, se depende daquela verba para continuar a carreira, faz o que?

Críticas muitas vezes são caladas com ameaças de fim de patrocínio, corte da seleção, da bolsa, perda da vaga em torneios internacionais e até na Olimpíada. Por medo, muitos não falam. Outros não se colocam contra os desmandos por serem favorecidos. E assim o ciclo de silêncio continua.


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