Folha de S. Paulo


Esporte precoce pode 'quebrar' nossas crianças

O que você quer ser quando crescer? Atleta (ou, mais comum, jogador de futebol) é uma resposta que ouvimos bastante das crianças. E muitos pais, escolas e treinadores levam esse desejo a sério e começam a incentivar o futuro medalhista desde cedo. Num mundo cada vez mais competitivo, quanto mais cedo você começar, melhor será, certo?

Parece um raciocínio correto, mas é deveras perigoso.

A colunista da Folha Rosely Sayão alertou outro dia, em "Cotidiano", sobre a falta de habilidade motora de nossas crianças, que não sabem controlar direito seus corpos nem medir riscos e acabam se machucando demais. Ela alerta que diversos educadores físicos têm afirmado que estamos criando uma geração de analfabetos corporais.

O país olímpico, que sonha ser potência esportiva, tem hoje uma juventude que pouco se mexe. Dirigentes e governantes querem usar os Jogos do Rio para incentivar novas gerações e pavimentar o caminho rumo a Olimpíadas futuras. Em menos de um ano, os melhores esportistas do mundo estarão por aqui e não há nada melhor do que ídolos para incentivar os mais novos.

Hoje existem todos os tipos de escolinhas que prometem ensinar esporte aos pequenos. As cidades estão mais violentas, e os espaços, menores. Não dá para jogar queimada na rua, o condomínio te proíbe de subir em árvores, e o apartamento é pequeno para o pega-pega. Vivemos empoleirados uns sobre os outros, e os pais procuram formas seguras de ocupar o tempo dos filhos.

Mas ao lado desta preocupação legítima também aparece um problema: a especialização precoce. Na ânsia de formar futuros campeões, muitos submetem as crianças a cargas exageradas de esforços repetitivos. São tratadas como mini atletas. Há clubes de futebol hoje que colocam crianças com menos de seis anos em suas engrenagens para "fabricar" jogadores.

Especialistas alertam há tempos que submeter os pequenos a treinos tão especializados é perigoso. Antes de repetir exaustivamente os movimentos de um esporte em busca da excelência, eles precisam aprender a se mexer livremente, a explorar as potencialidades de seus corpos. E isso tem que acontecer até pelos menos os 12 anos.

Existe farta documentação científica respaldando esta tese. Em estudo recente da Universidade de Loyola, em Chicago, ficou constatado que crianças altamente especializadas em um só esporte têm 36% mais risco de sofrer uma lesão por conta deste esforço. Alguns atletas jovens, dizem os pesquisadores, enfrentam antes dos 25 anos cirurgias condizentes com aquelas pelas quais passam seus avós por conta do desgaste da idade.

Muitas crianças têm tido lesões graves.

Além dos danos físicos, a pressão psicológica de ser submetido ao esporte competitivo desde cedo também pode levar vários futuros esportistas a ficarem pelo caminho.

As histórias de muitos campeões corroboram esta ideia. O tenista Roger Federer, um dos melhores de todos os tempos, por exemplo, jogou badminton, basquete e futebol antes de se dedicar apenas ao tênis. Nenhum dos brasileiros campeões olímpicos da seleção em Barcelona-1992 treinou vôlei para valer antes de completar 12 anos.

Incentivar as crianças a se mexerem como crianças e respeitar o tempo, no fim das contas, é que pode até ser a chave do sucesso.


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