Folha de S. Paulo


O mundo está oferecendo uma 'Black Friday' para o Brasil

Nestes últimos setenta anos, não importa se o país é europeu, latino-americano ou asiático; com regime mais ou menos centralizador; se seu passado foi ou não repleto de conflitos internos ou guerras externas.

O que se destaca como ingrediente comum em diferentes trajetórias ascendentes na corrida internacional por poder, prosperidade e prestígio é que em todos os casos de sucesso se exige que um país formule e implemente uma estratégia de adaptação aos contornos cambiantes da globalização.

Zanone Fraissat - 13.dez.2016/Folhapress
Movimentação de contêineres do porto de Santos; crescimento mundial é oportunidade para Brasil
Movimentação de contêineres do porto de Santos; crescimento mundial é oportunidade para Brasil

Ou, se você não gostar deste último termo (globalização), basta sublinhar: países que se dão bem são aqueles que aproveitam as oportunidades específicas que se abrem —e depois se fecham— particulares a determinado cenário internacional.

As balizas da Guerra Fria demarcaram oportunidades e perigos da segunda metade dos anos quarenta até a Queda do Muro de Berlim. A "globalização profunda" de 1992 até as crises gêmeas de 2008 (subprimes) e 2011 (dívidas europeias) foi o que turbinou o desempenho daqueles que tiraram proveito de um ambiente global em que se desejava um "mundo plano".

Atualmente, é com base no risco de "desglobalização" que os países têm de moldar-se de forma inteligente, e sabendo que esta fase tem tudo para ser mais transitória do que fenômenos como o "brexit" e o "América Primeiro" de Donald Trump podem fazer crer.

Quando mudam as linhas definidoras da globalização, as novas realidades têm de ser encaradas por todos os países. Na globalização profunda, por exemplo, fosse você um estrategista dos EUA ou Portugal, África do Sul ou Indonésia, era necessário lidar com as tendências dominantes daquela época.

E estas quais eram? Ora, uma propensão a considerar o livre comércio como motor de arranque à riqueza, a reinvenção corporativa como principal critério de inovação, e o imperativo de integrar blocos de cooperação econômica em nome de ganhos de escala e eficiência que explicam em grande medida experiências como o Mercado Comum Europeu (MCE) ou o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA).

O interessante nestes processos de ascensão de nações é que, para além das caraterísticas comuns que o cenário global exige em termos de adaptação por parte de todos os países, há curiosamente o que poderíamos chamar tanto de "janelas de oportunidade" ou "catalisadores".

Trata-se de chances múltiplas —e específicas— que um cenário oferece a este ou aquele país para acelerar ainda mais a sua ascensão.

Hoje, se fossemos denominar um conjunto de oportunidades favoráveis múltiplas que sorriem a uma determinada nação, poderíamos, à imagem das promoções de comércio que se oferecem em diversos países no mês de novembro, dizer que o cenário global oferece a alguns países uma "Black Friday".

Não é difícil enxergar tais "catalisadores" no itinerário de países de sucesso nestas últimas sete décadas. O Plano Marshall funcionou como uma verdadeira "Black Friday" para Alemanha e Japão.

Apesar da Guerra Fria cobrir geopoliticamente todo o planeta, jamais houve durante aquele período uma alavanca semelhante para a América Latina.

A Espanha teve no ingresso à União Europeia em 1986 o seu catalisador que, juntamente com o Pacto de Moncloa quatro anos antes, acelerou sua dinâmica de desenvolvimento.

A China, na virada dos anos 70/80, teve nos benefícios comerciais com os EUA e depois com demais países do Ocidente sua grande "Black Friday". A China aproveitou tal oportunidade com maestria na construção de um eficiente projeto de Nação-Comerciante que a projetou à atual condição de superpotência econômica.

Neste 2018 que se descortina, o cenário mundial está propiciando uma genuína "Black Friday" para o Brasil.

Num plano mais geral, porque a economia global está crescendo de maneira sincrônica (a enorme maioria dos países está se expandindo ao mesmo tempo) e abrangente (todas as regiões do planeta experimentarão avanço da riqueza no biênio 2018-19).

Em tal período, o PIB mundial se expandirá em 3,6%, taxa semelhante a do intervalo 1990-2007, os anos da globalização profunda.

Fora isso, o vigoroso crescimento do Sudeste Asiático continuará a deslocar a curva de demanda por alimentos a patamares muito favoráveis a países produtores de commodities agrícolas e bens alimentares como o Brasil.

O avanço da industrialização e o forte investimento em infraestrutura naquela região também manterão em nível elevado a procura por matérias-primas minerais.

O comércio global, é verdade, deu um cavalo-de-pau com o aumento do protecionismo e a nuvem de incerteza representada pelo governo Trump e sua denúncia de arquiteturas comerciais como o NAFTA e a OMC.

Isso, porém, dada a inoperância brasileira na costura de tratados comerciais em anos recentes, tem de ser interpretado como uma oportunidade.

A União Europeia, disposta a demonstrar que não se abalou com o terremoto "brexit", acelerou sua agenda negociadora, o que se pode sentir no avanço das negociações UE-Mercosul que se encontram mais perto de um final feliz que nunca.

E, para enfatizar uma constatação inegável, há uma excepcional disponibilidade de liquidez no mundo —Oriente Médio, Sudeste Asiático e mesmo focos irradiadores de investimento nos EUA e Europa— que pode casar com as notórias necessidades brasileiras no campo infraestrutural.

Para aproveitar essa extraordinária "Black Friday" que o mundo nos está oferecendo de bandeja, o Brasil precisa inescapavelmente dos imperativos do ajuste macroeconômico e das reformas estruturais. Sem estes, não dá nem para começar a brincar. Mas isso não bastará.

Esta "Black Friday" contemporânea cobra novas abordagens para política industrial e comercial, e para uma educação que capacite às exigências da Quarta Revolução Industrial.

Por mais propício que o cenário externo se apresente, a nebulosidade de nosso debate público turva a percepção que temos dessas oportunidades ímpares. Isso dificulta ainda mais a arregimentação dos fatores internos para que possamos aproveitá-las.

Não são pequenas, por isso, as chances do Brasil desperdiçar esta generosa "Black Friday".


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