Folha de S. Paulo


Para Vladimir Putin e Rússia, 2016 foi um ano dourado

Alexei Nikolsky/Sputnik/Associated Press
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa para agentes do Serviço Secreto em Moscou
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa para agentes do Serviço Secreto em Moscou

O ano que se encerra promete não deixar saudades em muitas partes do mundo.

Na América Latina, o Brasil vê-se enredado em suas múltiplas crises. A Argentina, no rescaldo do kirchnerismo, tem desempenho decepcionante na economia. A Venezuela é um estado falido.

Colômbia, Peru e Chile —juntamente com o México (país onde se sentem os principais danos colaterais da recente eleição nos EUA)— terão de repensar suas estratégias de inserção global.

É isso que resultará da tendência protecionista que ganha tração na Casa Branca. Trata-se de forças que também impactam a Ásia —num suspense que pode inibir a interdependência econômica no Pacífico.

EUA em Europa ainda buscam se reequilibrar depois dos choques sísmicos do Brexit e da vitória de Trump. Ambos acontecimentos são mergulhos no desconhecido.

A China observa o crescimento econômico desacelerar e os números de seu PIB não gozam de credibilidade junto a muitos agentes econômicos. Indianos veem sua economia arremeter, mas se questiona até quando isso pode continuar se Narendra Modi hesitar nas reformas estruturais. A Índia cumprirá pouco de sua promessa se apenas amparar-se na formalização do mercado de trabalho.

Em suma, para a maioria dos países, 2016 representa período em que se consolidaram "tempestades perfeitas". Ou, na hipótese menos sombria, um ano de subdesempenho e multiplicação de incertezas.

Há, contudo, uma exceção. 2016 foi um ano dourado para a Rússia de Vladimir Putin. O mercado acionário russo teve 51% de valorização medida em dólar nos últimos doze meses. Neste ano, o PIB russo ainda experimentará declínio de 0,6%, mas para 2017 volta a expectativa de crecimento que pode chegar a 2%.

O resultado das eleições nos EUA e o que se projeta como liderança política na Europa, sobretudo se François Fillon vencer a corrida presidencial na França, é uma atmosfera bem menos adversa a Moscou. Nesse cenário, é possível cogitar o fim das sanções impostas à Rússia desde que esta anexou a Crimeia.

A escolha de Rex Tillerson, executivo da ExxonMobil, para chefiar a diplomacia americana, garante ao Kremlin alguém que entende as necessidades russas por segurança em seu entorno geográfico e convida a muitos cenários de cooperação.

E isso se dá num instante em que Putin apostou na diversificação de sua opções de política externa como peça-chave de suas cartadas geopolíticas.

O presidente russo visitou o Japão e o intercâmbio com Tóquio mostra-se em seu momento mais promissor das últimas décadas. Atenuou relações com a Turquia de Erdogan, o que lhe permite um frio cálculo político para aquele país mesmo após o brutal assassinato de seu embaixador em Ancara. E, na destruída Síria, a Rússia hoje é sem dúvida a potência mais determinante.

Putin atuou para que a Arábia Saudita concordasse em reduzir sua produção de petróleo —levando ao aumento do barril da commodity, algo essencial para a saúde macroeconômica russa.

Trabalhou para aumentar a presença de sócios do Oriente Médio (como a de um consórcio de investimento do Qatar) na composição acionária da gigante de óleo e gás Rosneft.

Uma capa de "The Economist" em outubro de 2015 mostrava Xi Jinping e Barack Obama jogando o pôquer da geopolítica global.

Tinham como companhia um Putin descamisado e de óculos escuros, certamente "blefando" com as poucas cartas que tinha nas mãos para assegurar-lhe uma lugar à mesa dos que regem o mundo.

Goste-se ou não de Putin, e a julgar a predileção do povo russo por líderes fortes e posições de poder, tal "blefe" tem dado certo. Mais que tudo, 2016 foi ano em que os russos realimentaram o amor próprio. Sentem que seu país voltou ao centro do palco da política mundial.

Nessa dinâmica, Putin segue firme para que, nas eleições presidenciais de 2018, assegure mais um ciclo no comando do Kremlin.


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