Folha de S. Paulo


Atentado de Orlando pode favorecer Hillary, não Trump

Grande parte da mídia internacional interpreta que o terrível atentado na boate Pulse em Orlando favorece Donald Trump na corrida à Casa Branca.

O bilionário, praticamente oficializado como candidato do Partido Republicano à Presidência dos EUA, parece ser o maior beneficiário político da tragédia.

Trump adota retórica contrária à imigração (sobretudo vindo do vizinho México ou do Oriente Médio). É um ardoroso defensor da manutenção do direito às armas e da manutenção da atual legislação norte-americana sobre o assunto.

Argumenta em favor de um aumento dos orçamentos de inteligência e defesa. Acusa Obama de intimidar-se ante ameaças como as representadas pelo Estado Islâmico.

Alguns dos grandes comentaristas da cena global como Gideon Rachman, do "Financial Times", ou Roger Cohen, do "New York Times", endossam a ideia de que a carnificina de Orlando faz eleitoralmente bem a Trump.

Rachman sustenta que Trump ganha pontos ao indicar que o massacre é boa evidencia de que a atitude "politicamente correta" do governo Obama e da plataforma da democrata Hillary Clinton "cega as elites" tradicionais ante os perigos da imigração em geral e do islamismo.

O colunista do FT entende que a "campanha do medo" empreendida por Trump é amplamente reforçada por ataques que mostram o diagnóstico de Trump como "acertado". Com efeito, recentes atentados em Paris ou San Bernardino (Califórnia) ajudaram Trump em sondagens de opinião pública colhidas logo após as tragédias.

Já Cohen assinala que não basta ao discurso de Obama —e ao programa de Hillary— a ênfase na limitação à venda de armas nos EUA como principal estratégia a evitar que as atrocidades de Orlando se repitam.

No pronunciamento presidencial que realizou logo após o massacre da Pulse, Obama afirma que, caso a sociedade norte-americana "decida ativamente nada fazer" sobre a legislação de armas, isso "também é uma decisão". Claro recado de que probabilidade de tiroteios em massa continuarem ininterruptamente é grande.

A esse propósito, Cohen identifica, no horror, raízes fincadas "no maior fracasso do governo Obama em matéria de política externa".

A saber: "ativamente nada ter feito na Síria em mais de cinco anos de guerra —o que permitiu ao EI manter sob seu jugo parte do país e assim contribuir para a enorme crise de refugiados na Europa, aquiescendo portanto com assassinatos e deslocamentos populacionais de grande escala, erodindo o valor do palavra dos EUA no mundo, e dando oportunidade a Vladimir Putin desfilar seus talentos".

Para Cohen, a politica externa de Obama, saudada por muitos em razão do reatamento de relações com Havana, a visita a Hiroshima, ou a conclusão do TPP (Parceria Transpacífico), na realidade "tornou o mundo mais perigoso".

Se é verdade que o medo e a raiva encrudescem a campanha presidencial nos EUA, não há, no entanto, certeza alguma de que o ganhador disso tudo seja Trump.

Na medida em que a confrontação Trump-Hillary se agudizar, o eleitorado norte-americano esperará de Trump mais do que observações generalistas ou propostas de pequeno efeito prático sobre a segurança interna dos EUA.

Fazem parte desse curioso acervo a criação de um muro na fronteira Sul para evitar o fluxo de imigrantes ilegais do México ou o banimento temporário de visitantes muçulmanos´ aos EUA.

Pelo que se ouviu até agora, nada há de muito detalhado na visão de Trump para, no plano interno ou externo, conter ou dizimar o EI.

Nada de muito elaborado tampouco quanto ao terrorismo doméstico nos EUA perpetrado por "lobos solitários", muitos de segunda geração, como o assassino da Pulse, que se radicalizam mediante acesso ao ódio étnico, religioso ou de gênero amplamente disponível na Internet.

Aliás, seu principal pronunciamento após a tragédia, realizado na última segunda-feira, talvez tenha sido o pior discurso de Trump desde que iniciou sua corrida à Casa Branca. Lendo monotonamente a partir de teleprompters, Trump pouco impressionou.

E, mais especificamente sobre Orlando, alguém seriamente acredita que a comunidade LGBT , ou mesmo a população de origem latina nos EUA, ambas vitimadas no massacre, estarão mais propensas a partir de agora a apoiar Trump?

Em outros tiroteios que também chocaram os EUA, como o da escola Sandy Hook em Connecticut ou do cinema no Colorado, será possível colocar os lunáticos na conta do "Islã Radical"?

Hillary traz uma mensagem mais densa quanto ao controle de armas —e o fácil acesso a elas nos EUA é o elemento comum que se encontra em todos os tiroteios em massa.

Ao contrário de torná-lo um candidato mais forte, a tragédia de Orlando pode mostrar como são superficiais os diagnósticos e tratamentos que Trump oferece aos males da América.


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