Folha de S. Paulo


Mundo tenta decifrar 'esfinge Temer'

Mais do mesmo? Supervisor de transição? Ou potencial estadista?

Há muitas questões a responder por parte da opinião pública internacional sobre o eventual próximo presidente do Brasil. Pesquisas mostram que Michel Temer é pouco conhecido dentre os brasileiros. O que dizer então de uma perspectiva estrangeira?

Na votação da Câmara dos Deputados no último domingo (17), o que saltou aos olhos de quem observa do exterior é o exotismo dos parlamentares brasileiros.

Pedro Kirilos/Ag. O Globo
São Paulo (SP), 19/04/2016 - Michel Temer / Casa - Michel Temer fala em frente a sua casa em Pinheiros, São Paulo (Foto: Pedro Kirilos / Ag. O Globo) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O vice-presidente Michel Temer fala a jornalistas em frente a sua casa em São Paulo

Numa cena do delicioso filme "Obrigado por fumar", o filho do protagonista busca a ajuda do pai para uma lição de casa. Tem de responder a uma questão formulada por sua professora em termos de patriotada: "Por que o governo dos EUA é o melhor do mundo?". Realista, o pai responde: "O governo do EUA talvez não seja o melhor do mundo, mas seguramente é o que gera maior entretenimento."

Hoje, embora os EUA contem com o reforço pesado de Donald Trump e Bernie Sanders nos quesitos fantasia e diversão, talvez a política doméstica que garanta o maior conteúdo de diversão é a brasileira.

Nos vários seminários, "conference calls" e informes reservados de especialistas e consultores de risco —e na mídia global que crescentemente cobre o Brasil—, o grau de incerteza quanto ao impeachment de Dilma foi praticamente a zero. Temer será presidente. Mas de que tipo?

Numa esfera, argumenta-se a tese do "mais do mesmo". De temperamento sereno, acostumado ao misto de neutralidade e dubiedade que marca a latitude ideológica e o sentido pragmático de seu partido, Temer não teria o DNA suficiente para atacar de forma mais agressiva os grandes e emergenciais problemas brasileiros.

Seria, na melhor das hipóteses, um "passador de bastão" ao vencedor das urnas em 2018. Nesse meio tempo, contemplaria os aliados que lhe permitiram as maiorias no Congresso conducentes à titularidade no Planalto com cargos robustos.

E, tendo por norte o objetivo mediano de "parar de piorar", costuraria alianças pontuais com as forças políticas de modo a promover um alívio na preocupante situação fiscal do país —ainda que tal sossego tenha apenas a duração de seus cerca de dois anos e meio de governo.

Há também, no entanto, o cenário em que Temer enobrece sua biografia como potencial estadista. Nesse caso, é legítimo supor que os formadores de opinião pública global estarão de antenas ligadas a três "simbologias".

A primeira ordem de símbolos tem de ver com "dizer as coisas certas". Pronunciar-se favoravelmente ao fim do instituto da reeleição, o que ele próprio respeitaria conceitualmente não se candidatando em 2018, ajuda na construção da imagem como líder desapegado à fixação com o poder e consciente da grave circunstância em que se encontra o país.

Na mesma linha —e apesar de haver ocupado a vice-presidência durante todo o período em que a "nova matriz econômica" ajudava a corroer as contas nacionais— Temer precisa abraçar por completo o caráter de urgência e bom senso presente no documento "Uma Ponte para o Futuro".

A segunda série de símbolos será emitida a partir do tipo de equipe que logrará montar. O foco está particularmente centrado nos cargos de ministro da Fazenda e presidente do Banco Central, mas também em funções como a de ministro da Justiça e as presidências de Petrobrás e BNDES.

Alguém de reconhecida capacidade técnica e respeitabilidade moral à frente da Justiça será o "hedge" de que a Operação Lava-Jato continua seu curso e de que o novo presidente não tem do que se preocupar por sua conduta passada e nada a proteger em seu círculo de aliados.

Um rotundo "sob nova administração" na Petrobrás e no BNDES, com executivos e especialistas de boa reputação, também funcionaria como divisor de águas a distanciar o novo governo de um indesejável acervo de fraude, protecionismo e incompetência.

Por fim, a terceira camada de símbolos se observaria com o presidente Temer dando ao menos o pontapé inicial nas batidas reformas previdenciária, trabalhista, política, fiscal —e também da política externa.

Como apontaria Ortega y Gasset, as circunstâncias jogarão um grande papel no desejável perfil de Temer como redator da boa história. Ainda assim, o fator fundamental é sua própria disposição em buscar o status de presidente-estadista.


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