Folha de S. Paulo


Desglobalização e barbeiragens internas machucam mais que a China

Parte importante da atual onda de incertezas vindas da China se origina das complexas intersecções entre a economia financeira e a economia real.

Por um lado, temores quanto a um estoque de dívidas na China que já atingem US$ 28 trilhões (280% do PIB chinês). Trata-se uma proporção maior do que a observada nos EUA ou na Itália.

É também grande a preocupação quanto à qualidade das dívidas –que não se enquadram nos mesmos critérios formais de concessão de crédito dos sistemas bancários do Ocidente.

Por outro lado, a China continua como maior nação comerciante do planeta. Mesmo com todas as oscilações da Bolsa de Xangai, a China ainda terá em 2015 o maior crescimento percentual entre as dez maiores economias.

Em termos de valores absolutos, os chineses só investem menos que os norte-americanos em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Muito se atribui à China e ao suposto esfriamento de sua economia um impacto determinante no fim do "ciclo dourado" das commodities. Os números mostram, no entanto, que, em número de toneladas exportadas, a demanda chinesa continua vigorosa como em anos anteriores.

O Brasil, por exemplo, exportou mais toneladas de soja e minério de ferro à China no primeiro semestre de 2015 do que o fez no mesmo período em 2014, embora, não há dúvida, os valores expressos em dólares apontam para uma receita exportadora menor.

A situação é semelhante nas pautas bilaterais de comércio com a China de muitos de seu fornecedores latino-americanos de outras matérias primas, agrícolas ou minerais.

Isso mostra que a proliferação de fontes de suprimento, bem como excedentes produtivos, são talvez de maior importância para a desvalorização relativa das commodities do que o arrefecimento da economia chinesa.

Mas talvez haja uma força ainda mais determinante no desempenho da China e dos demais "emergentes". Trata-se da "desglobalização" que perpassa as relações internacionais –sobretudo desde a grande recessão iniciada em 2008.

Essa desglobalização originou-se de uma série de políticas protecionistas de comércio não apenas no mundo emergente, mas também nos EUA, na Europa e no Japão.

Tais medidas foram ademais acompanhadas de instrumentos de política industrial e de compras governamentais que reinauguraram, em nome de supostas ferramentas "contracíclicas", uma nova era de nacionalismos econômicos –ou melhor, de "individualismos nacionais".

O resultado não poderia ser outro: um pronunciado subdesempenho da economia global e, mesmo no caso dos países do hemisfério Norte, uma recuperação que deixa ainda a desejar.

A "globalização profunda" que surgiu com o fim da Guerra Fria foi de imensos benefícios para uma economia orientada a exportações, como a China.

Agora, a desglobalização, que mantém contidos os fluxos globais de comércio, complexifica a conversão suave do modelo de crescimento chinês para um formato mais baseado em consumo. Dificulta também o aumento do perfil de financeirização da economia chinesa.

A grande indagação quanto ao estado de saúde da economia global nos próximos dias não virá, contudo, da China, mas de como o Fed responderá a um cenário externo mais desafiador.

Talvez o banco central norte-americano não consiga, como parecia ser sua inclinação, "normalizar" as taxas de juros –próximos de zero há muito tempo.

Quanto ao Brasil, esses questionamentos globais não podem fornecer novos bodes expiatórios. Nossas incompetências e equívocos internos são muito mais influentes sobre nossa subperformance do que os ventos adversos da China ou as tendências desglobalizantes.


Endereço da página: