Folha de S. Paulo


A nova década perdida

Sobrevém um amargor na boca quando "recessão", "eclipse" –ou mesmo "impeachment"– aparecem na tela do radar que o mundo direciona ao Brasil.

O impacto negativo dessas indesejáveis características nos próximos quatro anos, acrescido da mediocridade do último quadriênio, convida a outra noção: o país está em meio a uma nova década perdida.

Pensamos nos anos 1980 como a dolorosa convalescência do hiato democrático e dos excessos nacional-desenvolvimentistas dos governos militares.

Hoje, o desperdício de nossas potencialidades associa equívocos econômicos aos de política externa numa combinação que deprecia o respeito pelo país. Se o foco é no alívio da pobreza, inexiste na história momento recessivo em que os maiores prejudicados não tenham sido os menos favorecidos. Na ausência de crescimento vigoroso, caem por terra alicerce e discurso do combate à desigualdade.

Isso é tanto mais grave no tipo de recessão que se avizinha para o Brasil. Ela vem de mãos dadas com vácuo de liderança e inflação. Ambos desencorajam o investimento, que deveria ser o motor de uma nova fase de crescimento.

Se o país fechar a atual década com expansão média anual de 2%, nem de perto nos desvencilharemos da armadilha da renda média.

Em paralelo, é frustrante continuarmos a assistir a grandes mercados emergentes arremeterem.

Indonésia, Índia e China esperam crescimento anual superior a 6% no intervalo 2015-18. No período, estimativas realistas projetam o Brasil com expansão média 1,5 % abaixo da economia mundial. Ouve-se com frequência do governo brasileiro, no que só pode ser alusão à Europa, que poucos estão crescendo.

Uma coisa, porém, é o desempenho estacionário da zona do euro, onde a renda per capita é de US$ 35 mil. Outra é empacar com um terço disso, como o Brasil, ainda nos verdes anos do bônus demográfico. Nesse ritmo, é grande o risco de ficar velho antes de se tornar rico.

No âmbito das relações internacionais, estamos desorientados. Na melhor hipótese, praticamos uma diplomacia confusa. E, ao contrário do desejado mote para o Itamaraty de Dilma 2.0, "sem resultados".

Nos fóruns multilaterais, estamos eclipsados por falta de pagamento de contribuições regulares ou pela grande alocação de tempo, recursos e capital político em portfólio de baixo retorno, de que é exemplo o marasmo da OMC.

Em nossa suposta prioridade à África, abrimos grande número de postos diplomáticos, agora em frangalhos orçamentários.

Na América Latina, o embate maior entre Washington e Pequim por aliados regionais num momento de fragilidade econômica e diplomática brasileira mina nossa influência. A Argentina claramente já substituiu o Brasil pela China como principal referência de sua política externa.

Nações desperdiçam anos quando não crescem, não têm desempenho à altura de seu potencial. Mas uma década só é realmente perdida quando um país nada aprende com ela. Vivemos uma confluência de todos esses fatores.

Tomara que desta vez o passado -e o presente- nos ensinem algo para o futuro.


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