Folha de S. Paulo


Cada um tem o abutre que merece

A Petrobras está no inferno. Nele, sugeria Dante, há nove círculos de sofrimento.

O oitavo, que pune a fraude, tem seu quinto fosso reservado aos corruptos. Sua atuação, ao rapinarem nossa maior empresa, lesiona a imagem do Brasil. Pior. Dificulta a inserção externa do país e de suas empresas.

A aflição da Petrobras é exponencialmente aumentada com a abertura, nos EUA, de ações voltadas ao ressarcimento de acionistas. A se desenrolaram tanto na Justiça como na SEC, órgão regulador do mercado de capitais, prometem novos círculos de padecimento à Petrobras e aos que nela apostaram.

Há potenciais perdas infligidas de forma direta. A Justiça americana, que delibera celeremente (num máximo previsto de dois anos) sobre temas dessa natureza, pode decidir por reparações vultosas em razão das falcatruas no período 2010-2014. Resta, ainda, eventual multa a ser aplicada pela SEC, o que não apenas oneraria financeiramente a empresa, mas também imprimiria mancha duradoura em sua imagem de governança.

Em ambas as vias, a Petrobras também ficará à mercê da infindável criatividade dos escritórios de advocacia norte-americanos –e dos muitos e longos desdobramentos que o caso pode encontrar nos EUA e noutros países.

Para além do campo jurídico, os efeitos são dilapidadores. A capacidade da Petrobras em levantar recursos no exterior para seu ambicioso plano de investimentos está mutilada. Fundos se veem restringidos em alocar recursos à empresa por seu alto endividamento, a iminência de investigações e processos legais, ou ainda o risco de perda do grau de investimento.

Esse quadro oferece campo fértil para maniqueísmos. Será grande a tentação populista de manipular perversamente a opinião pública.

Seguindo-se a moratória argentina em 2001, Buenos Aires buscou repactuar a dívida do país por fração do valor de face (à época de US$ 120 bilhões) e parcelamento. A maioria dos credores (93% deles) aderiu à proposta.

Os restantes, apelidados de "abutres", valeram-se da praça jurídica dos EUA para obter vitórias que não apenas garantem pleno recebimento dos créditos, mas abrem portas para os que haviam aceitado a repactuação também desfrutarem dos termos obtidos pelos abutres.

Mais do que disputa jurídica, a opinião pública argentina foi levada a enxergar na crise dos abutres novo lance do "imperialismo" sobre a pobre república sul-americana.

Caso as atribulações da Petrobras nos EUA se agudizem, em nada surpreenderia a interpretação populista de que o contencioso configura investida para "enfraquecer a Petrobras" de modo a que seja "privatizada" para que "potências estrangeiras explorem nosso petróleo".

Para além da conjuntura internacional de preço menor para o barril de petróleo, o valor de mercado da Petrobras declinou de US$ 380 bi em 2010 para US$ 140 bi hoje. O tombo é o dobro da dívida soberana argentina.

Os problemas da Petrobras não derivam da ganância internacional. Nós alimentamos nossos próprios abutres.


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