Folha de S. Paulo


Os dois 'Brics'

Basta conversar com banqueiros de investimento, jornalistas ou tecnocratas para concluir que, hoje, o significado de "Brics" muda em função do interlocutor. Estão se consolidando ao menos duas formas com que a comunidade internacional enxerga o grupo.

A primeira avalia momento atual e perspectivas dos quatro gigantes (aqui sem África do Sul), como "mercados em crescimento". É seguir a mesma linha de análise do Goldman Sachs na década passada que acentuava fatores territoriais, populacionais e de peso relativo dessas economias em suas respectivas regiões para delinear a futurologia da economia global.

A segunda concentra-se no impacto da construção institucional dos Brics (aqui com África do Sul) nas relações internacionais dos próximos 25 anos. Tal enfoque mede o impacto da articulação dos Brics em organizações multilaterais existentes, no surgimento de novos instrumentos plurilaterais e portanto em novas alianças e polos de poder.

Há certo desapontamento com a primeira. Nenhum dos Brics ostenta expansão do PIB tão estonteante como na década passada. Campeões nas modalidades de capitalismo de Estado que adotaram, hoje veem-se confrontados com a urgência de agenda reformadora que, em sua natureza, é essencialmente liberal. Menor intervenção governamental, burocracia reduzida, flexibilização do mercado de trabalho, descentralização administrativa.

Dos quatro Brics, apenas a China envereda-se mais celeremente rumo a reformas. Teme-se, no entanto, que mudanças vislumbradas por Xi Jinping tropecem na informalidade do setor financeiro, no estoque de dívidas ruins e no conservadorismo da elite privilegiada pelo boom dos últimos vinte anos.

Índia e Brasil parecem paralisados à espera das eleições majoritárias neste ano para a definição de caminhos estratégicos. E a Rússia ainda contabiliza perdas e ganhos da aventura na Crimeia e no imprevisível desfecho da crise ucraniana.

Já a ideia de Brics como polo alternativo de poder nas relações internacionais tem obtido surpreendente atenção. Hoje os cinco países mantêm grupos de trabalho em áreas como cooperação espacial, combate ao terrorismo, saúde pública. E, claro, além de um fundo de US$ 100 bilhões à disposição de qualquer membro do grupo no advento de crises de liquidez, há toda a dinâmica para a criação do Novo Banco de Desenvolvimento.

Quaisquer dúvidas sobre a predisposição da China em apoiar o Banco –sócio mais importante nesse quesito dada sua robustez financeira– foram dissipadas pela entrevista do chanceler chinês Wang Yi publicada ontem nesta Folha.

Num momento em que a política externa dos EUA encontra-se em pronunciada retração, os Brics, com maior coordenação em órgãos multilaterais e formação de instrumentos políticos próprios, despontam como acidental referência para o mundo em desenvolvimento.

A ordem internacional também tem horror ao vácuo. Ao contrário de seu status como mercados emergentes, os Brics, como polo de influência, encontram-se em inesperada ascensão.


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