Folha de S. Paulo


O rebaixamento já foi precificado?

Respeitadas e às vezes demonizadas, as agências de classificação de risco orgulham-se de seus critérios técnicos e decisões colegiadas.

Quando lançam suas lentes sobre países, julgam, com isenção que supõem obter de ferramentas econométricas, a qualidade do crédito soberano. Em verdade, fazem muito mais.

Na contramão do que dizem as próprias agências ou do que gostariam de ouvir os "ranqueados", as notas proferidas têm alcance para além das instituições de crédito. Embora almejem objetividade laboratorial, as agências usam também critérios subjetivos. Por isso, erram muito. E acertam bastante também.

Operam em dois níveis. No primeiro, têm impacto sobre agentes econômicos que, por razões estatutárias ou determinações de seus conselhos de administração, inviabilizam aportes de capital em países que não atingem o "grau de investimento". No segundo, tornam-se verdadeiras bússolas para a formação de expectativas quanto ao desempenho de toda a economia.

A tendência das agências em moldar opiniões de horizonte mais amplo, não só restrito ao tema "crédito", também é percebida em instituições econômicas multilaterais.

Nos últimos tempos, FMI e Banco Mundial são mais usados como fonte estatística e futurologia do que nas respectivas funções originais de fornecimento emergencial de liquidez ou apoio ao desenvolvimento.

Tudo era festa e as agências pareciam certíssimas quando promoveram o Brasil em 2008. Naquele "upgrade", havia também alta dose de aposta subjetiva.

Hoje, o mercado –já tendo supostamente estabelecido uma "precificação prévia" do risco brasileiro– aparenta indiferença à recente decisão da Standard & Poor's. Nesse contexto, o rebaixamento parece não apenas intempestivo e equivocado, mas também inofensivo.

Há, contudo, uma dupla dimensão na nota baixa do Brasil. Quando a dívida externa era grande tema da agenda internacional, as agências também pesavam a "boa vontade de honrar débitos". É algo que não se define com números.

Queiramos ou não, agora elas também avaliam a "propensão a promover reformas", que no seu entender levam a crescimento e competitividade. Examinam a predisposição à mudança de rumo e o necessário capital político para fazê-lo.

Talvez o mercado tenha de fato antecipado –e assimilado– a deterioração da qualidade do crédito oriunda de algum desequilíbrio fiscal, má gestão de estatais, microintervencionismo nas concessões e a aventura da "nova matriz econômica". Ainda que se minimizem esses vetores degradantes, outros componentes do rebaixamento poderão ter mais força em 2015 e 2016.

Trata-se da ausência de apetite por reformas estruturantes (trabalhista, fiscal e do ambiente de negócios) e do distanciamento brasileiro dos grandes polos do comércio mundial. Problemas de maturação mais lenta, porém mais corrosiva.

Sem reformas e maior integração à economia global, parte substantiva da conta do rebaixamento chega apenas nos próximos anos –e ela será pesada.


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