Folha de S. Paulo


Brasil e China no túnel do tempo

Suponha que os 3.000 participantes do Fórum Econômico Mundial entrassem num túnel do tempo. Regressariam até 1971, ano do primeiro encontro de Davos.

Lá chegando, os CEOs, futurólogos e vencedores do Nobel fariam uma aposta. Que países do que à época se chamava "Terceiro Mundo" –hoje "emergentes"– seriam as estrelas da economia em 2014?

Imagine que déssemos pistas aos ilustres senhores. Em algum momento entre 2020 e 2023, um entre os emergentes superaria o PIB nominal dos EUA. Contabilizaria volume somado de exportações e importações acima dos US$ 4 trilhões anuais, tornando-se em 2014 a potência comercial líder.

Seu investimento em pesquisa e inovação rapidamente convergiria à média dos países ricos. Essa nação lideraria em 2013 o ranking da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em número de marcas registradas, patentes e desenho industrial.

Rivalizaria com os EUA na condição de principal destino de investimentos estrangeiros diretos (IEDs).

Esse Davos imaginário poderia prever que tal país seria a China?

No início dos 70, a China não se distinguia pela planta manufatureira. Já o Brasil, no auge do "milagre", era o maior parque industrial do hemisfério Sul. O "Brasil Potência" crescia mais de 10% ao ano.

Em 1978, China e Brasil tinham PIB equivalente: US$ 200 bilhões. O Brasil contava 100 milhões de habitantes. A China, 1 bilhão. De lá para cá, a população brasileira dobrou. A da China cresceu 30%, já levando em conta a reintegração de Hong Kong (1997) e Macau (1999). Nesse período, nossa economia aumentou 12 vezes. A da China multiplicou-se por 45. Por que a China decolou e o Brasil voou rente ao chão?

Muitos creditam a diferença do desempenho à mão forte de regimes autoritários e às virtudes do dirigismo. Isso é um equívoco. A China, da Revolução de 1949 até a morte de Mao Tsé-tung, em 1976, também era tenebrosamente ditatorial e planificadora –e sua economia não ia a lugar nenhum.

O Brasil redemocratizou-se nos 80 e cresceu comparativamente pouco desde então. Mas o problema não é a democracia. A questão é que, com 40 % da renda circulando pelo Estado, o país continua estatizante e dirigista.

A diferença está no tipo de estratégia adota. A economia chinesa, desde 1978, foi orientada a competir globalmente. Caracterizou-se por parcerias público-privadas, baixo custo trabalhista e tributário, acúmulo de poupança e investimento, atuante diplomacia empresarial.

Já a vertente brasileira foi voltada para dentro. Ambiente cartorial de negócios, busca de fortalecimento de "campeãs nacionais", política comercial e industrial defensiva, investimento mirrado, seguridade social que não cabe no PIB.

O túnel que Brasil e China atravessarão para chegar ao futuro é distinto daquele que os trouxe ao presente. Os chineses parecem saber disso. Hoje redirecionam seu modelo industrial-exportador rumo a uma economia em rede mais sofisticada. Será que o Brasil conseguirá fazer o mesmo com seu capitalismo de Estado?

mt2792@columbia.edu


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