Folha de S. Paulo


Plurilateralismo 2.0

É marcante o diferencial de velocidade entre a formação de plataformas como a Aliança Transatlântica (EUA e Europa) e a Parceria Transpacífico (alguns países de Américas, Ásia e Oceania) e a marcha lenta das negociações multilaterais na OMC (Organização Mundial do Comércio).

A distância entre esses movimentos realça um termo forte na definição do mundo contemporâneo: o plurilateralismo. Até outro dia, plurilateralismo era sinônimo de regionalismo. Circunstâncias geográficas, no início dos anos 90, alimentavam projetos como UE (União Europeia) e Mercosul.

Para muitos, arranjos regionais substituiriam os países como principais atores da cena global. A dinâmica parecia ser a dos "blocos-em-construção" agregando mais e mais vizinhos.

Embora partissem de uma motivação econômica, tais projetos tinham ambições mais abrangentes. Para sócios menores, representavam, é claro, acesso privilegiado ao mercado de vizinhos mais robustos. Para as maiores economias em cada contexto (Alemanha na UE e Brasil no Mercosul), significavam reafirmação da liderança regional.

Além de livre-comércio e coordenação macroeconômica, essas dinâmicas compreendiam uma integração profunda para além da economia. Passaportes, parlamentos e tribunais comuns. Posições conjuntas em fóruns como a ONU.

Esse foi o plurilateralismo 1.0. No caso da Europa, ele levou a um burocratismo paralisante. No Mercosul, ao afastamento do livre-comércio e ao aconchego no esquerdismo latino-americano. Agora, confrontados por inoperância da OMC e iminência de outras geometrias plurilaterais, Mercosul e UE trabalham pela troca de ofertas comerciais.

Acordo com Bruxelas amenizaria críticas de que o Mercosul é tão somente um clube ideológico. Para os europeus, pactuar com o Mercosul criaria outras dimensões que não apenas o mega-acordo com os EUA.

Para apimentar tudo, a UE acaba de levar o Brasil aos tribunais da OMC. Acusa-o de protecionismo em automóveis e outros produtos.

Hoje, o plurilateralismo 2.0 desvencilhou-se da proximidade física. Importa menos a vizinhança geográfica e mais a coincidência de perspectivas --não necessariamente de visões de mundo, mas de interesses econômicos concretos.

A Aliança Transatlântica não busca entendimentos políticos mais amplos. Deseja apenas promover mais elos de produção e consumo. A Parceria Transpacífico não visa objetivos geoestratégicos, mas fortalecer seus membros ante a hipercompetitividade chinesa. O próprio banco de desenvolvimento dos Brics, ora em gestação, pode ser visto à luz desse plurilateralismo "além da geografia e aquém da ideologia".

Tudo isso reforça duas percepções. Por um lado, o Estado-Nação é ainda o ator preponderante do palco global. Não deseja soberania e espaço de manobra constrangidos por balizas supranacionais. Por outro, está em curso uma globalização seletiva (quem quer participa, quem não quer fica de fora). O plurilateralismo 2.0 é superficial --nada de mudar o mundo, apenas promover mais comércio e investimentos.

mt2792@columbia.edu


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