Folha de S. Paulo


China: gestão federal versus local

Muitas pessoas fora da China acreditam que o país funciona com uma hierarquia impecável: o que emana do governo central é automática e rigorosamente seguido em nível local, o que torna a gestão pública um exercício sem grandes dificuldades.

Que é ágil governar com um partido único, não há dúvida. Mas a realidade é mais complexa do que aparenta.

De uma certa maneira, a gestão pública na China tem algo de uma empresa descentralizada. O governo federal fixa metas de crescimento para as prefeituras e cabe às autoridades locais decidir o que fazer para alcançá-las.

O dirigente que demonstra desempenho e atinge a sua meta tem direito a um bônus: sobe na hierarquia do partido. Quem não alcança a meta, perde espaço político.

Os governos locais implementam projetos com baixa dependência da administração federal. Há várias razões para isso: a primeira é que a autoridade local é a arrecadadora primária. As empresas chinesas pagam imposto de renda ao bairro, nem mesmo à municipalidade.

Além disso, muitas prefeituras são donas de instituições financeiras. Através delas financiam seus investimentos. Finalmente, as municipalidades têm a receita do leasing da terra.

A China funciona bem quando há sintonia entre a visão federal e a local dos temas. A impressão que se tem nos últimos meses, no entanto, é que a comunicação entre a gestão central e a administração federal parece um tanto truncada.

A administração federal tem desenvolvido uma verdadeira campanha para mudar o comportamento dos governos locais. Nas reuniões recentes do Conselho de Estado frequentemente a discussão centra-se em como auditar as prefeituras, aumentar a transparência das práticas orçamentárias, ampliar a eficiência nos gastos e a identificação de quem são os responsáveis por despesas impróprias.

A isso se acrescenta um esforço inédito e persistente de combate à corrupção, que aumenta o grau de confiança que o cidadão comum deposita no governo, mas engrossa desconfianças e temores dentro do partido.
Uma pesquisa recente da Universidade Tsinghua feita em 289 cidades indicou que apenas 14 abrem seus dados sobre a dívida pública e não mais que 150 declaram, sem restrições, suas despesas com carros, viagens e jantares. Ou seja, há muito a transformar.

Vai levar tempo. E há um jogo político no caminho. O governo federal pode pressionar os governos locais. Mas depende deles para cumprir a meta de crescimento.

Ou seja, o governo ora exige, ora se vê forçado a liberar a gestão para que a meta planejada seja atingida.

Foi um pouco o que ocorreu no último trimestre, para que os 7,5% que tinham sido projetados fossem atingidos na mosca.

Enquanto a China crescia a dois dígitos, os nós das relações entre os diversos níveis de operação do Estado não eram quase visíveis. Agora a realidade é outra. Lidar com ela e conseguir alterá-la é, talvez, o maior desafio político da atual administração.


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