Folha de S. Paulo


Reforma difícil na China

Há dias, uma estatal chinesa no setor de óleo e gás determinou uma mudança surpreendente na política de recrutamento: os filhos de seus funcionários não mais terão emprego automático na empresa, a menos que se graduem numa universidade de primeira linha. Aqueles formados em instituições de menor reputação passarão por um exame e competirão com outros candidatos.

A medida foi, evidentemente, aplaudida. Afinal, as estatais pertencem ao país, e não aos seus empregados, e o sistema do emprego hereditário tende a ser um entrave à eficiência.

Os funcionários, no entanto, revoltaram-se. Na essência do regime comunista está a proteção do trabalhador e de suas famílias. Por que proteger menos?

O episódio dá uma ideia de como é difícil transformar a China. O país moderno convive com práticas herdadas dos tempos de fechamento. Alterá-las ainda requer uma mudança profunda de cultura. Os que acreditam que a existência de um partido único soluciona qualquer problema estão longe da realidade. Novas ideias encontram um movimento natural de resistência.

Por isso, é preciso primeiro inseri-las numa grande moldura política e depois aprofundá-las em decisões práticas para que sejam absorvidas pela burocracia estatal. É um processo lento e gradual, que contrasta vivamente com o ritmo rápido das obras de construção e de infraestrutura.

Além disso, muitas medidas tomadas em âmbito partidário ou federal passam pela interpretação das autoridades locais, e ela nem sempre é uniforme.

Recentemente, o Partido Comunista decidiu que a melhor forma de mudar as estatais e suas práticas é abrir o seu capital. Empresas de capital aberto teoricamente são cobradas, têm que exibir contas, dar satisfação aos acionistas.

O problema é que a implementação dependerá dos governos provinciais e municipais. E, a julgar pelas diretrizes já anunciadas por três deles, o da província de Sichuan e o das cidades de Chongqing e Xangai, o critério será diferenciado.

Na verdade, as próprias empresas estatais também têm uma parcela de autonomia sobre as decisões. Algumas saem à frente, operando mudanças; outras adiam a ação o quanto podem.

As estatais federais são reguladas. Os reguladores determinam, por exemplo, o lucro mínimo esperado a cada ano. É uma forma de forçar ajustes, baixar custos e aumentar a produtividade. Mas as locais não estão cobertas.

O misto da China antiga com a nova mostra um saldo considerável para a nova. Mas isso acaba sendo um entrave a mudanças. Muitos no partido parecem acreditar que basta repetir a experiência dos últimos 30 anos, sem fazer grandes emendas, para levar o país ao sucesso.

A alta cúpula, no entanto, sabe que isso não é possível. A China ainda crescerá com alguma força porque é pobre. Mas sem reformas, sobretudo nas suas estatais, pode perder o gás.


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