Folha de S. Paulo


Ser rico é glorioso

Quando a China iniciou a abertura, em 1978, Deng Xiaoping, o mentor das reformas, fez observações que arrepiariam as mentes politicamente corretas do mundo atual. Hoje, nenhum governante de bom senso teria coragem de dizer à sua população frases como "alguns de nós ficarão ricos antes" ou "ser rico é glorioso". Elas soariam como um endosso à desigualdade, não um voto de esperança.

Três décadas depois, o combate à pobreza ainda é o grande desafio chinês. Mas uma parte da população urbana já vive a glória que Deng Xiaoping anteviu quando resolveu mudar os rumos do país.

A renda alta fez com que os chineses se tornassem viajantes frequentes e se apaixonassem pelos bens de luxo modernos. Pequim, Xangai e Cantão estão abarrotadas de shoppings de primeiríssima linha. Mas a coisa não para aí. Wenzhou, Shenzhen, Chengdu, Chongqing, Hangzhou, Wuxi, Tianjing, cidades desconhecidas, têm, cada uma, dois a quatro shoppings voltados para grandes grifes.

As tendências do momento vão além de viajar e consumir.

Os chineses de classe média estão obcecados pela ideia de levar os filhos a fazer o curso secundário no exterior. Parece um contrassenso. Enquanto o ensino chinês ganha destaque no ranking mundial, os pais correm à procura de escolas fora. As famílias julgam que a realidade do futuro será crescentemente internacionalizada. Buscam, com isso, adaptar as novas gerações.

Outra moda é a compra de propriedades no exterior. Trinta por cento dos recursos que entraram na economia americana para investimentos em imóveis no ano passado vieram da China.
Uma pesquisa feita pela empresa Jones Lang La-Salle e divulgada num jornal local indica que os investimentos chineses em propriedades fora do país totalizaram US$ 7,6 bilhões em 2013, um aumento de 124% em relação ao ano anterior.

Há duas justificativas: uma, o preço da propriedade na China só sobe e há restrições à compra de mais de duas casas; outra, os chineses estão à cata de passar uma parte do seu tempo em locais com ar puro e alimentos seguros.

Os agentes imobiliários e os representantes de escolas estrangeiras estão fazendo a festa. Além disso, não faltam ministros europeus ou mensageiros de boa vontade, como Michelle Obama, a viajar à China para se reunir com estudantes, fazer esporte com eles, discursar sobre a importância dos estudos.

Muitos se perguntam em que medida as novas tendências mudarão a China.

No final do século 19, quando a monarquia já estava em perigo, vários intelectuais chineses foram conhecer a vida na Europa e aprender com os pensadores que a transformavam.
A maioria regressou com a convicção de que incorporar o que havia no mundo afigurava-se impossível e perigoso. Se a base do pensamento local se transformasse, o Ocidente dominaria a China.

O cidadão de classe média atual, mesmo o que sai para estudar, não vai tão a fundo na sua reflexão. Mas como os que o precederam na história, volta para casa e se redescobre felizmente chinês.


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