Folha de S. Paulo


Pequenas provocações

Em meados de fevereiro, durante sua visita à China, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, resolveu realizar uma conversa on-line com internautas em Pequim.
Nela, fez a observação de que a China deveria ter mais liberdade na internet.

O governo chinês reagiu imediatamente, qualificando de ingênuo o comentário e dizendo que Kerry deveria, sim, ter sido mais aberto e discutido o caso Snowden.

Que a internet chinesa tem vigilância, todos sabem. As autoridades não escondem. Podem às vezes surpreender com filtros mais poderosos do que os usuais. Mas, goste-se ou não, tratam do tema com uma certa naturalidade.

Na verdade, há até regras em curso. No ano passado, por exemplo, a China decidiu –e anunciou– que seriam estabelecidos processos legais contra quem espalhasse rumores em blogs com mais de 5.000 seguidores ou em mensagens distribuídas mais de 500 vezes.

Apesar da vigilância, a internet é um meio de comunicação e de debate. Por meio dela, lançam-se campanhas que levam o governo a agir.

A indignação generalizada contra a corrupção, por exemplo, tem muito eco nas redes sociais.

Poucos duvidarão de que as medidas que estão sendo tomadas para melhorar a postura ética do funcionalismo público são, em larga medida, uma resposta à enxurrada de comentários postados nos milhares de blogs que existem no país.

Os padrões de vigilância americanos, viu-se recentemente, guardam um grau elevado de obscuridade. O caso Snowden, que os trouxe à tona, tem surpreendido não só pelo choque inicial do que foi revelado, mas porque os Estados Unidos não conseguiram sequer dar a impressão de que vão passar a operar com parâmetros menos intrusivos.

Fica difícil para os americanos repetir posturas antigas depois da exposição a que foram submetidos.

A resposta chinesa, chamar o secretário de Estado de ingênuo, soa pertinente.

É surpreendente ver o governo americano lidar com um país complexo como a China com gestos simplórios, como buscar debater com os locais as limitações com as quais têm que conviver.

Ninguém ganha com pequenas provocações entre as duas nações mais influentes do mundo atual.

Os internautas de Pequim nunca verão no governo americano um aliado.

Os chineses não tendem a achar que as pressões externas transformarão a sua realidade. Acham, em geral, que a China é bem mais complicada do que o Ocidente imagina e que seus problemas não serão resolvidos com fórmulas prontas, vindas de fora.

Mais vale seduzi-los com gestos simpáticos, como a visita que faz agora Michelle Obama –que, aliás, tem grande repercussão na internet local.


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