Folha de S. Paulo


Comprar ou investir?

A invenção do Black Friday, dia de descontos nas compras on-line, tem grandes adeptos na China. As vendas este ano alcançaram mais de US$ 6 bilhões.

Os chineses têm paixão por tudo o que é feito eletronicamente, e as compras pela internet ganharam confiabilidade. Pode-se devolver o produto, enquanto nas lojas a devolução inexiste, e a logística da entrega é eficiente. Compras feitas à noite são recebidas pela manhã.

Mas o que chamou a atenção neste ano não foi o volume de compras, mas sim o fato de que muitos chineses conectaram-se desde cedo para fazer investimentos.

Os chineses são conhecidos poupadores. Em 2013, o governo concedeu uma autorização ao Taobao, uma loja na internet, para atrair recursos para um fundo.

A resposta foi boa.

O raciocínio do investidor é relativamente simples: a caderneta de poupança remunera depósitos a 3% anuais, quando a inflação tende a ser maior. O fundo remunera a 7%. Ademais, se a internet é confiável para comprar, deve ser também para investir.

Fundos como o do Taobao, só que com um grau mais elevado de informalidade, proliferam no país. Há, segundo cálculos recentes, cerca de 8.000 companhias operando no segmento.

Seus recursos são empregados em crédito ao consumidor, financiamento a microempresários, projetos imobiliários, até mesmo projetos de empresas que são criadas pelas prefeituras.

O valor médio dos empréstimos é menor que RMB 100.000 (o equivalente a US$ 16.300). A taxa cobrada dos tomadores é, no mínimo, quatro vezes superior à dos empréstimos bancários (está atualmente em torno de 30% ao ano), ou seja, o ganho dos gestores é alto.

O crescimento do chamado "shadow banking" (banco na sombra, em inglês) é um fenômeno visto como saudável e preocupante.

Ele se explica, em larga medida, pelo fato de a China ter um mercado de capitais atrasado para o nível elevado de poupança da economia e mostra que de pouco adianta o Banco Central regular excessivamente as taxas de juros. O mercado encontra os seus nichos para circundar as regras.

Muitos creem que, no final das contas, o investidor estará protegido. As autoridades vigiam, de longe, quem capta em proporções elevadas. Se alguns fundos falharem, encontrarão alguma maneira de compensar quem investiu neles. E também de punir quem levou o investidor a perdas. Mas esse é um raciocínio otimista.

O que o "shadow banking" revela de mais interessante é a convicção generalizada de que quem toma emprestado paga. Não se pode perder a face por dívida.

Quando a China abriu, no final dos anos 1970, as pessoas tinham dinheiro debaixo do colchão. Todo mundo tomou emprestado de todo mundo para começar um pequeno negócio.

Foi assim que muitas empresas nasceram: recolhendo de quem quisesse apostar nelas. O sistema aparentemente vige até agora. Talvez por sua causa, a economia chinesa tenha um grau tão elevado de dinamismo.


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