Folha de S. Paulo


A nova agenda dos Brics

A última reunião dos Brics, no final de março, mostrou que o grupo pouco a pouco vai montando um enredo próprio. Se, num primeiro momento da concertação Brics o único objetivo comum parecia ser a ampliação da voz do grupo nos organismos multilaterais e nas decisões econômicas mundiais, objetivo, aliás, plenamente justificado, agora a agenda está mais clara.

Os três pontos principais do encontro presidencial --criar um "business council", formalizar um arranjo de "swap" de moedas para situações de crise financeira e endossar a criação de banco para financiar infraestrutura-- envolvem muito trabalho adiante. E todos encerram elevado grau de dificuldade.

Um "business council" poderá render frutos se os líderes envolvidos tiverem capacidade de penetração nos seus países e puderem efetivamente mobilizar o meio empresarial. Não é simples. Não há história de cooperação entre os empresários dos Brics. Além disso, a sinergia entre os segmentos produtivos dos cinco países é baixa. Na verdade, há mais competição.

Os chineses obviamente terão vantagens, em razão dos recursos disponíveis para financiar suas iniciativas. Mas eles já reinam no comércio. E sua estratégia para formar joint-ventures neste momento volta-se para a Europa, onde empresas de alta tecnologia podem ser adquiridas por preços acessíveis.

O mecanismo de "swap" pode ser uma alternativa. Nas crises, escasseiam-se as linhas comerciais, e é preciso fazer grande esforço para garanti-las.

A questão é que, se a crise vier e for necessário recorrer ao mecanismo para financiar o comércio, mais uma vez a China sairá favorecida. Primeiro, porque a possibilidade de que a própria China se valha do "swap" é zero. Além disso, sua capacidade de suprimento de bens pagos em renminbis é consideravelmente superior à de todas as demais economias cujas moedas estarão envolvidas.

Finalmente, a proposta de montagem de um banco para financiar a infraestrutura parece, à primeira vista, um esforço grande demais.

Os Tesouros dos Brics não deveriam, em tese, ter dificuldade de se financiar nos mercados internacionais a custos acessíveis. Se tiverem, não merecem o otimismo que justificou a criação do acrônimo.

O setor privado e os governos locais, sobretudo de Brasil, Índia e África do Sul, podem, sim, ter problemas de financiamento. E para eles, é verdade, não há janelas adequadas de acesso a recursos. A janela mais óbvia, os bancos internacionais de desenvolvimento, está meio fechada. Os bancos voltam-se mais para projetos sociais do que para a infraestrutura. E sua burocracia é incompatível com o grau de eficiência e rapidez requerido nos desembolsos de grandes projetos.

É cedo para conclusões definitivas. A capacidade de achar soluções para os problemas --e, eventualmente, dar um passo atrás se a implementação dos objetivos ficar difícil demais-- deverá estar lá.

Num cenário ideal, o que se poderia esperar dos Brics seria um esforço maior de abertura em matéria de comércio. Mas nenhum dos cinco países parece minimamente preparado para falar do assunto.


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