Folha de S. Paulo


A serpente e o combate à corrupção

O Carnaval este ano coincide com a celebração do Ano-Novo chinês.

Enquanto, no Brasil, a animação domina as ruas, os chineses reúnem-se em família. Nesses encontros, evitam temas tristes ou pesados, moderam-se na linguagem, pressionam os solteiros ao casamento e queimam bombinhas para espantar os maus espíritos. Celebram, em 2013, o ano da serpente.

De uma maneira geral, os chineses não parecem ligados na astrologia. Mas não subestimam seus mistérios.

Em Xangai, onde os viadutos se sobrepõem uns aos outros em alturas elevadíssimas, um deles tem uma coluna de sustentação adornada com desenhos em relevo de um dragão.

Diz a lenda que a coluna foi erguida diversas vezes, mas não se assentava. Como a engenharia não oferecesse solução, os construtores convidaram um mestre de "feng shui" para avaliar o caso. O mestre olhou atentamente a área e deu o seu veredito: aqui neste ponto do subsolo vive um dragão. Ele se incomoda com a fundação da coluna e não deixa que ela fique de pé.

Mas o dragão tem a sua hora de repouso. Se a fundação for plantada no momento certo, ele se deslocará. Assim se fez e, conta-se, tudo se resolveu. Sempre que passo na área acompanhado de um chinês indago se ele duvida da lenda. Nunca encontrei quem duvidasse.

Na mitologia oriental, a serpente é elegante como o dragão, o animal mais reverenciado do zodíaco. Mas, ao contrário deste último, procura passar despercebida. Colada ao chão, está sempre antenada. É capaz de antecipar facilmente os tremores de terra.

Transplantada a mitologia ao mundo dos homens, a serpente significa a capacidade de expor armações e escândalos.

Não acredito que a astrologia tenha a mais mínima influência na política. Mas tudo leva a crer que um dos focos da política chinesa este ano será lidar com novos escândalos de corrupção.

Nas últimas semanas, vários episódios de má conduta vieram à tona. Além disso, o combate à corrupção tem sido o tema de maior relevo na transição governamental.

É assunto recorrente nos discursos do próximo presidente, Xi Jinping, que chegou a dizer que a corrupção, se deixada solta, pode levar ao fim do Partido Comunista.

Xi fala em controles sobre autoridades de todos os níveis, em supervisão mais rigorosa do uso do poder e na definição de um melhor quadro regulatório. A comissão disciplinar do partido, na esteira de suas declarações, anunciou um plano de cinco anos com verificações regulares da renda dos membros.

Controlar a corrupção pela via da educação, vigilância e punição é procedimento correto em qualquer realidade. Mas num país onde o setor público tem o grau de influência que se registra na China, o esforço exigirá mudanças maiores do que passar a exigir declaração de bens das autoridades.

Será inevitável reduzir o papel do Estado e abraçar uma proposta mais liberal de gestão. Esse é um passo que alguns dos novos chefes partidários parecem dispostos a dar. Mas, a que ponto chegarão, dependerá de difíceis consensos internos.


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