Folha de S. Paulo


A farsa de Cunha, jihadista da direita corrupta

Vivemos no Brasil um momento no qual a história parece já acontecer como farsa. Um patife entrincheirado no comando da Câmara, em deslavado exercício de gangsterismo político, acata um pedido de abertura de processo de impeachment com o intuito de retaliar o Executivo por não apoiá-lo na pretensão de salvar a pele no Conselho de Ética da Casa –que apesar de nada ou pouco ter de ético inclina-se a reconhecer os fatos clamorosos que se voltam contra o sinistro deputado.

Não é outra a motivação de Eduardo Cunha, cujo interesse pessoal surpreende e adultera a dinâmica política e institucional para lançar um processo de impedimento numa hora em que as condições não se mostravam as mais propícias. Formara-se praticamente um consenso entre analistas (e mesmo entre setores menos estúpidos da classe política) que o "momentum" do impeachment havia se esvaído –ainda que pudesse reapresentar-se mais adiante.

Prevaleceu, portanto, sobre a racionalidade e o tempo do cálculo político estruturado o ímpeto de um homem-bomba. Cunha, o jihadista da direita corrupta, vendo-se encurralado, decidiu explodir o colete. Não esqueçamos que nosso "suicide bomber", embora tenha agido agora como um lobo solitário, foi, durante longos meses, protegido e incentivado por setores da oposição e da imprensa. Como se sabe, o senador Aécio Neves, no afã de ganhar no tapetão o que perdera em casa, uniu-se à escória da política e chegou ao oportunismo notável de votar contra teses de seu partido na tentativa de chegar ao trono por caminhos insensatos. Nessa empreitada irmanou-se - e nivelou-se - a gente do calibre de Paulinho da Força (ou seria da Farsa?). Agora, contudo, mesmo o sinhozinho das Gerais já havia abandonado Cunha e a ideia de impeachment pelo impeachment, em meio a uma tardia e vexaminosa autocrítica de seu partido.

Ninguém na opinião pública deixou de notar que ao aceitar o pedido Cunha agiu como um chantagista entregando sua retaliação. Muitos, porém, trataram de considerar que o impulso torpe não mancharia o processo, que poderá transcorrer, digamos, "normalmente", sem carregar a mácula de seu pecado original.

Devo dizer que discordo dessa avaliação. Não concordo que se possa higienizar a cena do crime dela limpando o vício inaugural.

Mas não é apenas isso que me incomoda: falta ao pedido do sr. Bicudo a identificação convincente de um crime de responsabilidade. As "pedaladas fiscais" de 2015 ainda não foram caracterizadas –e mesmo que venham a ser é clara a desproporção entre o suposto delito e a punição que se sugere, como, aliás, já haviam declarado, com todas as letras, o governador Alckmin e o banqueiro Roberto Setúbal.

Antes que as jararacas e os ratinhos acusem-me de ser "desonesto" no argumento, devo registrar que estou entre os que consideram a presidente Dilma Rousseff uma completa incompetente e uma das responsáveis diretas pela ruína econômica e o caos político que se instauram no país. Não imagino que ela desconhecesse esquemas em curso na Petrobras, embora seja forçoso reconhecer que nada se apresentou de palpável contra ela. Por fim, vejo no PT uma fraude decadente de esquerda que aderiu ao mesmo gangsterismo político de alguns setores da direita que outrora pretendeu combater. Cunha e PT são adversários que se medem por suas respectivas réguas.

Nada disso, porém, justifica a aceitação desse processo que traz de seu nascedouro o característico cheiro de enxofre.


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