Folha de S. Paulo


Oposição quer "pedalada" pró-impeachment

O esfacelamento ético e político do PT e a crise profunda que abala o governo de Dilma Rousseff já têm um desfecho previsto na narrativa de amplos setores da oposição e da maioria insatisfeita com os rumos do país: o impeachment. Ao puni-la —e a seu partido— por tudo isso que está aí, a remoção da presidente da República encerraria com fecho edificante este ciclo escuro de nossa história recente.

Como observou Fernando Henrique Cardoso, o impeachment tornou-se um fim em si mesmo, um projeto, uma agenda, um programa político. Diria eu: uma pedalada. Uma pedalada política. Decisão tomada, só resta encontrar a base legal, uma vez que Dilma não pode ser simplesmente enxotada, precisa ser pessoalmente responsabilizada antes que o presidente da Câmara aceite um pedido de abertura de processo e o plenário venha, a seguir, a optar pelo impedimento.

Até aqui, em que pesem ilações, suposições e convicções íntimas, nenhuma acusação formal foi apresentada e nada se provou da participação da presidente no esquema de corrupção.

Sendo assim, a pedalada é encontrar um delito paralelo —um pretexto que se possa encaixar na moldura constitucional. Mas nem isso existe —ao menos por ora. Não obstante, o principal nome da oposição, Aécio Neves, que para seu dissabor perdeu a eleição em casa, já está se sentindo quase lá.

"Nós vamos ter coragem para fazer o que precisa ser feito". "Dentro em breve vamos deixar de ser oposição e vamos ser governo". "Este grupo político caminha a passos largos para a interrupção do mandato", proclamou o aerocandidato derrotado em encontro de sua sigla.

Está claro que o "em breve" não se refere ao próximo pleito, mas ao possível êxito da pedalada pró-impeachment. Para isso, já tratou de conchavar com o ilibado Eduardo Cunha e o dinâmico Paulinho da Força.

As duas hipóteses de pedalada em baila são, como se sabe, uma eventual rejeição das contas de Dilma pelo TCU e a anulação das eleições pelo TSE com base em denúncia de que propinas teriam escoado para a campanha petista sob a forma de doações legais.

No primeiro caso, a pedalada não ajudaria muito o ex-governador de Minas, uma vez que o PMDB, com Michel Temer, herdaria o governo, chegando ao Planalto com mais brevidade do que o tucano —e poderia preparar o terreno para 2018.

O caso não seria simples. A começar pela decisão de Eduardo Cunha –que já havia anunciado ser contra a abertura de processo. Mudar de ideia depois de ter sido citado como receptor de R$ 5 milhões em propina no Petrolão, declarado guerra ao Executivo e perder apoio na opinião pública não seria uma posição muito sustentável. Tampouco uma aliança auspiciosa para o PSDB, que estaria reincidindo na velha tática, já testada e reprovada, de se aliar com suspeitos por conveniência imediata, acreditando que será fácil descartá-los depois. Além disso, é bom repisar: o parecer do TCU não basta; tampouco a aprovação do presidente da Câmara. É preciso o voto de dois terços para a coisa andar.

Na hipótese do TSE, a deposição seria mais emocionante. Correria o risco de entrar para a história como a mãe de todos os tapetões (atenção, amigos que não acompanham futebol: o tapetão, imagem que usei em coluna anterior, não é uma decisão fora-da-lei, mas baseada em pretexto ou fato sem consequência maior; por exemplo, o clube perde os pontos e é rebaixado por ter colocado em campo um jogador que estava sem a documentação regular na federação, embora tenha jogado apenas 5 minutos e sua equipe tenha sido derrotada naquela partida. Se não fosse para rebaixá-lo, o caso nem seria levado adiante).

É de prever também que em meio ao tumulto de uma imaginária nova eleição denúncias provavelmente bem embasadas sobre doações ilegais para campanhas da oposição apareçam. O clima seria de guerra aberta. E, por fim, haveria a possibilidade, por remota que se torne, de o PT, "vitimizado" por um "golpe", emplacar Lula lá mais uma vez.

Depois de FHC foi a vez do senador Aloysio Nunes e de Marina Silva mostrarem-se reticentes com a pedalada pró-impeachment. Os dois foram chamados de "frouxos" pela direita e Marina foi atacada da maneira machista e preconceituosa que se conhece: "sonsa", "santinha da floresta" etc.

Ainda que a perspectiva Temer ou Lula no poder possa pesar na opinião dos três, creio que essa visão menos açodada do processo é a mais adequada às circunstâncias. Não se trata de defender Dilma, mas de entender que o país vai continuar e um pouco de cuidado com o andor não fará mal a ninguém. Não me convence a "macheza" midiática baba na bravata de alguns analistas que querem impeachment e pronto –"sou fodão".

Diferente, porém, seria um processo de impedimento que dispensasse pedaladas: alguma coisa grave e irrefutável surge contra a mandatária. Aí, conte comigo.


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