Folha de S. Paulo


Dilma puxa seu próprio tapete

Embora dificuldades políticas fossem previsíveis para os próximos anos, havia um certo entendimento de que o grande problema do país depois das eleições seria equacionar a economia. Depois de quatro anos de experimentos mal sucedidos, esperava-se que a presidente Dilma se visse compelida a mudar os rumos da gestão econômica e promover um ajuste nas contas da quitanda –transformadas num despautério.

Claro que personalidade tão "rempli de soi-même", verdadeira "mamãe sabe tudo" em matéria de economia e outros assuntos, deixava dúvidas quanto ao recuo que poderia aceitar em favor de medidas por ela execradas em campanha.

A evidência, enfim, de que a reeleita encaixaria um nome do mercado, como este queria (e também Lula), deixou no ar, no final do ano, a possibilidade de que o país, após um previsível período de arrocho e recessão (remédios amargos para o descontrole causado pelo próprio governo, o principal culpado pela situação), acabaria se reencontrando com um cenário menos crítico e mais favorável à retomada do crescimento.

É fato que a crise da Petrobras e os tremores causados pela Operação Lava Jato causariam transtornos e colocariam em xeque a estabilidade política em 2015, mas uma presidente recém-saída de uma vitória eleitoral, por apertada que tenha sido, parecia ter condições de, mal ou bem, atravessar o deserto.

O que não se imaginava é que Dilma fosse deixar evaporar em tão pouco tempo a vantagem da vitória. Numa impressionante sucessão de equívocos grosseiros, em que parecia disposta a puxar seu próprio tapete, a presidente conseguiu, em apenas dois meses, promover um ambiente de deterioração como há muito não se via. Se a situação da economia era muito ruim ao fim do primeiro mandato, convenhamos que não chegava a ser terminal. Em tese, o Brasil tinha e ainda tem massa crítica e fundamentos para evitar uma longa UTI e voltar a caminhar com suas próprias pernas.

O quadro que se criou na esfera política, entretanto, conspira para que tudo se agrave. Cada vez mais isolada e perdida, Dilma mostra que não tem projeto, que não se afina com sua área econômica, que é odiada no próprio PT e que se tornou refém dos corvos que criou a título de manter a " governabilidade". Parece caminhar celeremente para a autodestruição –diagnóstico, aliás, que foi apresentado, com essas palavras, pelo petista histórico Ricardo Kotscho em seu blog.

Num cenário de acirramento de ânimos, no qual a oposição e o "aliado" PMDB veem na fraqueza da mandatária uma oportunidade, ao mesmo tempo que o PT parte para o fundamentalismo religioso, a situação torna-se, de fato, preocupante.

Mais ainda num país em que nem esquerda nem direita têm muito apreço pela democracia e não parecem entender direito como o regime funciona.

Não me incluo entre os alarmistas que apontam sinais de fascismo emergente em todos os cantos. Confio que a ainda jovem democracia brasileira terá condições de preservar suas instituições. Há tempos, contudo, não vejo o país tão desprovido de lideranças confiáveis e capazes de guiá-lo.


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