Folha de S. Paulo


Menos Fifa e mais futebol!

Houve um tempo, nos idos da década de 1970, em que eu frequentava religiosamente uma pelada de futebol de salão no ginásio da PUC do Rio. O lugar, que também foi palco de shows memoráveis (ali eu vi Caetano, Gil e Milton entre outros) já não existe, como pude constatar, consternado, não faz muito tempo, numa visita ao saudoso campus da universidade da Gávea.

Tudo bem. Tudo passa. Mas a pelada da PUC ainda existe em minhas lembranças –e, tenho certeza, na de todos que lá compareciam.

Lembro-me de um comentário, numa daquelas tardes, feito por um amigo antropólogo (a pelada era fina), que contestava a noção corrente de que o futebol seria uma imitação ou representação da vida. "Não é nada disso", dizia ele, "o futebol é a própria vida".

Sim, a vida em sua plena gratuidade e auto-suficiência —como um período de férias adolescentes, no qual tudo pode se realizar sem mais tributo ao imperativo da produção.

Mesmo em sua dimensão institucionalizada, o futebol sempre manteve, para mim, essa graça: ser a coisa mais importante do mundo das que não têm nenhuma importância. Um fluxo em que se combinam arte, jogo, acaso, individualismo e espírito de grupo, a partida de futebol não precisaria, em tese, de nenhuma exterioridade para se efetivar.

Mas a paulatina inscrição do esporte no mundo do desempenho, do capital, das rivalidades e dos nacionalismos, com sua transformação em espaço catártico para explosões de massas, veio a entrelaçá-lo com circunstâncias bem mais cruéis e menos felizes do que seria desejável.

Se em outros tempos o perfil alegre, sinuoso, artístico, mestiço e quase amadorístico da materialização do futebol no Brasil pôde servir de narrativa para a construção de uma auto-imagem popular, otimista e descontraída do país, a realidade mais recente parece ser outra. Triunfa o paradigma do espetáculo bilionário, das transações estratosféricas e da corrupção mafiosa. Parafraseando Oswald de Andrade, venceu o cartola de costeletas da Fifa e o sistema da Babilônia.

Isso não significa que o futebol tenha se destituído de todo seu encanto. A Copa no Brasil, apesar de alguns pesares, tem nos dito muito sobre isso. Quem vê um Messi, um Neymar, um James Rodriguez ou um Robben em campo sabe que ali resiste a essência apaixonante desse jogo.

É preciso, no entanto, que essa resistência também se transforme em bandeira fora de campo. E a palavra de ordem que, a meu ver, resume a atitude política a ser assumida diante do que assistimos é "menos Fifa e mais futebol!". Como eu diria naqueles tempos de estudante da PUC: abaixo a camarilha de Zurique e seus agentes internacionais!


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