Folha de S. Paulo


Mudar a Virada seria uma "babaquice"?

Chego em casa depois de uma "saturday night fever" em Nova York. Abro o computador para saber o que estaria rolando de legal na Virada da Pauliceia. O noticiário resume-se –ou pelo menos só dá destaque– a atos de violência. O programa cultural foi parar nas páginas policiais. Bem, ninguém aí nas redações para contar como foram e estão sendo os shows??

Amigos no Facebook passaram dicas. E li posts falando de experiências agradáveis pelas ruas do centro. Tudo sussa, diziam alguns que eu confio total.

Mas li outras manifestações também de gente que se apavorou com arrastões e ficou com medo de bala perdida. Não estou falando de pessoas malvadas do PIG ou de adversários "reaças" do prefeito, como diriam os escoteiros –refiro-me, no caso, à minha colega jornalista Nina Lemos, uma haddadista daquelas. E é bom lembrar, a segurança pública é função sobretudo do Estado.

A ideia da Virada, que surgiu na prefeitura de José Serra, parecia boa: uma maratona cultural para estimular as pessoas a ocupar as ruas do centro de São Paulo, onde, em meio à degradação, funcionam equipamentos culturais de qualidade, como a Sala São Paulo, o Municipal, a Pinacoteca, o Museu da Língua Portuguesa.

A primeira edição, em 2005, foi bem, sem registro significativo de crimes ou agressões.

Em 2006, porém, o fantasma da violência quase levou ao cancelamento da programação. Foi o ano em que o PCC sublevou presídios e atacou bases policiais. São Paulo suou frio. A festa, mesmo assim, aconteceu e foi saudada pela mídia como uma demonstração de "superação do medo".

Foi em 2007, no primeiro ano da gestão de Gilberto Kassab, que o bicho realmente pegou: "Virada Cultural se transforma em campo de batalha no centro de São Paulo", estampou a Folha. Que dizia:

"Garrafas, pedras, balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo invadiram a programação da Virada Cultural no centro de SP na madrugada de sábado para domingo. Após um quebra-quebra entre a Polícia Militar e os fãs do grupo de rap Racionais MCs na praça da Sé, a violência se alastrou para outras ruas e interrompeu pelo menos outros dois palcos. O trabalho das ambulâncias às 6h da manhã era ininterrupto, assim como o barulho das bombas de efeito moral. Houve ameaças com armas –não apenas por parte de PM– e foram disparados tiros para o alto".

Em maio do ano passado, um mês antes da então inesperada explosão geral de saco de junho, os números foram preocupantes: dois mortos, dois esfaqueados, cinco baleados, quase 30 presos. Houve arrastões e correria. As forças da "ordem" compareceram com 3.400 PMs e 1.400 guardas municipais. Agigantada, a Virada teve 900 atrações e mobilizou 4 milhões de pessoas

Muita gente começou a ficar apreensiva. Será que a ideia era boa mesmo? Não seria melhor dar um tempo com essa história? Aquela edição foi avaliada por todos como grande demais. Melhor seria fazer uma programação mais compacta. Foi o que aconteceu este ano. Mas arrastões, brigas, facadas e tiros voltaram a ocorrer.

Discute-se novamente se é o caso de manter ou não a Virada –o que exigiria, aliás, revogar uma lei.

Eu sempre gostei da proposta de ocupação cultural do centro, fui a várias Viradas, mas nunca me convenci muito da ideia de uma programação que atravessa a madrugada. Virar a noite é um convite à excitação.

Senão para todos, é um programa que para muitos pede uma certa dose de combustível. Álcool, estimulantes, o que for. E neguinho vai para a balada doidão, a fim de mandar. Difícil não sair confusão, ainda mais com o estresse social desses tempos e os problemas de policiamento que conhecemos –e já não aguentamos mais.

É fato que as "ocorrências" foram relativamente pequenas em relação à quantidade de gente que circulou pela cidade.

Mas os relatos de casos escabrosos desanimam. A Virada começa a parecer uma roleta-russa. Será que vou arriscar?

A violência no Brasil, infelizmente, é assustadora –e acaba muitas vezes vencendo a cidadania. Será que o o evento não tem que se reinventar? Eu faria uma virada sem virada. Manhã, tarde e um pedaço curto da noite.
Ou será mera babaquice de minha parte?


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