Folha de S. Paulo


Copa? Para mim também vai ter!

A um mês do início da Copa, vai caindo a ficha de que perderei para sempre a oportunidade de assistir a um Mundial em meu país. Não pretendo deixar Nova York, onde passo uma temporada, para acompanhar os jogos no Brasil. Por um lado, fica uma ponta de frustração; por outro, um sentimento de alívio. Verei os jogos pela TV, à distância, como, aliás, me habituei a fazer desde 1970.

Em 1962, com seis anos de idade, lembro-me vagamente de algumas imagens de partidas exibidas em videoteipe; em 1966, morando com minha família numa cidadezinha do interior, que mal tinha energia elétrica –e TV nem pensar– acompanhei o fiasco pelo rádio, um modelo bacanão, moderno para a época, cheio teclas, faixas e botões.

A Copa de 1970 foi o ápice de minha paixão pelo futebol. Era um dos meus assuntos prediletos. Ou "o" assunto. Aos 14 anos, ainda mal informado sobre o que se passava na política nacional, nem imaginava que alguns achavam que torcer pela seleção poderia ser uma maneira de favorecer o regime militar –então comandado por Emílio Garrastazu Médici, o general torcedor. Uma bobagem, afinal.

O time era espetacular e todos os jogadores atuavam no Brasil. Via-os frequentemente no Maracanã, acompanhava as mesas-redondas, era fã das crônicas de Nelson Rodrigues e simpatizava com João Saldanha, que eu considerava muito divertido e inteligente.

Acompanhei siderado as Eliminatórias, quando o "escrete" infligia derrotas memoráveis a seus adversários, com uma equipe ofensiva e um ataque inesquecível –Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu–, o melhor já visto num gramado por minhas retinas fatigadas.

Em 1978, jovem militante universitário, opunha-me ferrenhamente à ditadura, tanto no Brasil quanto na Argentina, a sede da Copa, mas não hesitei em nenhum momento. Torci pelo time de Coutinho, bom treinador, que injustamente virou piada por ter considerado o Brasil "campeão moral" do torneio. Pois realmente foi.

A seleção tinha lá seus problemas, mas era boa de bola –e saiu da Argentina sem perder nenhum jogo. A goleada dos donos da casa contra o Peru, que nos desclassificou pelo saldo de gols, é um dos capítulos mais nebulosos da história do futebol.

Continuei a torcer pela seleção nas Copas seguintes e não pretendo mudar. Nem conseguiria. Minhas relações com o futebol e com a música popular são canais importantes para minha identificação ou meu acesso ao Brasil –um Brasil que eu sei que existe, embora às vezes desapareça, sem, porém, deixar de estar lá. Como diz a canção de Morais Moreira, "eu sou Elza Soares / eu sou Mané Garrincha".

Claro que tenho minhas críticas à maneira como a organização da Copa foi conduzida. Já escrevi aqui que perdemos uma oportunidade de demonstrar para nós mesmos que podemos ser eficientes, criativos e honestos. Prevaleceram os interesses políticos, a falta de planejamento, o desperdício, o empurra com a barriga e o deixa que na última hora a gente vê.

Um sentimento de desconforto e insatisfação dissemina-se pelo país. A gente não quer só comida. Galerinhas radicalizadas vão aproveitar para tocar o horror. Nada tenho contra protestos, mas detesto estupidez e violência, institucionalizadas ou não. Não vai ter Copa, dizem. É? Bem, para mim, com certeza, vai ter.


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