Folha de S. Paulo


Quem tem medo de "apelo sexual"?

É totalmente justificável a preocupação em conter a percepção de que o Brasil é um paraíso para um certo tipo de turismo sexual. Num país que convive com a tragédia da prostituição de adolescentes, causa repulsa a perspectiva de que turistas, atraídos pela Copa do Mundo, sintam-se à vontade para cruzar a fronteira da dignidade e alimentar essa atividade infame.

Mas não é demais lembrar que esse tipo de degradação, com a qual convivemos há décadas, é fruto da nossa própria indigência social –e não obra de um "outro", que nos visita para desestabilizar nossa civilizada harmonia e corromper menores.

Mas as precauções quanto à prostituição infantil não precisam servir de plataforma para um tipo de reação hipócrita e moralista que me pareceu presente nos protestos contras as famigeradas camisetas retiradas do mercado pela Adidas.

Também me desagradaram, mas não por causa do "apelo sexual". O coraçãozinho de tanga, que sugere uma bunda rechonchuda pareceu-me –admito– simpático, mas o desenho das duas "t-shirts" é fraco. A nossa querida Daspu, nesse ramo, é muuito melhor. Qualquer estilista principiante, com um mínimo de inspiração e esperteza, poderia fazer uma coisa muito mais "cool", que expressasse com elegância nossa sensualidade tropical –de resto um tanto pudica perto do que se vê em outros países.

Mas confesso que fiquei surpreso com a onda de indignação. Nem tanto com a nossa avançada presidente Dilma Rousseff, que há tempos se entregou ao moralismo rastaquera de evangélicos e congêneres. De qualquer forma, o governo pode argumentar que o excesso de zelo nesse caso é parte de seu trabalho. Ok.

Mas vi nas redes sociais pessoas que, aparentemente liberadas e "modernas", deram faniquitos com o que parecia ser uma estocada do capitalismo global para estuprar nossa pátria gentil.

Não vejo motivo para termos medo do "sex-appeal" nacional, tampouco para assumirmos um discurso indiscriminado e "politicamente correto" contra a prostituição em geral, feminina, masculina, gay ou o que for.

Aos que padecem do complexo de Bataclã e temem que visitantes nos vejam como um prostíbulo, recomendo pensar não no Haiti, mas na Alemanha –o país, aliás, da fabricante das camisetas.

O nação mais rica da Europa legalizou a prostituição e os bordeis em 2002, assegurou direitos sociais e aposentadoria a quem a pratica, e trouxe para a formalidade uma "indústria" que movimenta bilhões de euros por ano. Uma decisão pragmática e, a meu ver, inteligente, que dispensa as hipocrisias e ambiguidades com que tratamos o assunto no Brasil. Pensando bem, para quem quer fazer turismo sexual, lá parece ser um destino melhor do que nosso sexy e dissimulado bananal brasuca.


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