Folha de S. Paulo


New York Mag: Arte x hibernação

Ver a neve pela janela é um fascínio. A dança dos flocos, para lá e para cá, encanta o mundo lá fora com a graça infantil de um souvenir. Mas tem nevado muito, e a vida nas ruas é cruel quando as máximas descem abaixo de zero e as mínimas ficam abaixo de menos dez. A nevasca castiga, o gelo acumula, a chuva cai e Nova York parece um sorvetão sujo.

As temperaturas de assustar pinguim são um convite à hibernação. Mas chega uma hora que ninguém aguenta. É preciso sair. Foi num desses dias glaciais que aceitei o convite de um casal amigo para ir à abertura de uma exposição no Red Hook. É uma vizinhança do Brooklyn, na "upper bay". Tempos atrás, poucos se aventuravam a passar por lá. No início dos anos 1990, a revista "Life" chamou o Red Hook de "capital americana do crack".

Hoje, a cena é outra. O bairro virou cool, tem gente bacana e programas descolados. Come-se e bebe-se bem por ali. Peixes, crustáceos, frutos do mar.

Já haviam me falado sobre o Pioneer Works, o espaço que íamos conhecer -mas levei um susto ao chegar. É muito grande e bonito. Ocupa todo um prédio de tijolinhos do século 19, reformado para receber arte e artistas. O edifício foi a sede da Pioneer Iron Works, uma grande fabricante de máquinas, nos anos de ferro dos Estados Unidos.

O Pioneer Works é uma instituição privada, do tipo "não-lucrativa" (que pode receber doações dedutíveis de impostos), orientada para a produção fora do "mainstream". Define-se como uma "plataforma para inovação em arte contemporânea e uma incubadora para colaborações interdisciplinares".

O evento era a abertura de uma mostra de Dale Henry, artista que começou a trabalhar em meados dos anos 1960, em Nova York, onde expôs em galerias e espaços coletivos. Em 1986, ele deixou a cidade, contrariado com o meio da arte, para morar longe de tudo, em Cartersville, na Virgínia. Morreu em 2011 e deixou uma obra variada, com espírito experimental, que passeia por diversos formatos -pintura, desenho e escultura.

A mostra marca a mudança da galeria Clocktower de seu edifício histórico no Lower Manhattan -onde foi fundada, em 1972, por Alanna Heiss, pivô da cena alternativa da época. Agora, Clocktower e Heiss, que é uma das curadoras da exposição, estão no Pioneer Works.

Conheci Dustin Yellin, o fundador e diretor, que nos guiou na visita. Figura gentil e animada, jovem, artista, hipster, unhas pintadas.

Entardecia e gelava quando saímos. Uma boa hora para sentar num lugar e comer um "lobster roll", um clássico do Red Hook que vem a ser um generoso sanduba de lagosta amanteigada, num pão de cachorro-quente. Pode parecer estranho, mas é uma delícia.

Texto publicado na revista Serafina


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