Folha de S. Paulo


Proposta interditada

A ditadura deixou sequelas. Elio Gaspari confunde divergência técnica com interdição.

André Lara propôs que juros altos resultam em maior inflação no Brasil. A provocação é sempre bem-vinda. Melhor se embasada por evidências empíricas.

Essa proposta é baseada em um recente texto de John Cochrane, que analisa os possíveis impactos da política monetária quando a taxa de juros está próxima de zero. Há muita teoria, porém pouca evidência.

Samuel Pessôa e eu discordamos dessa proposta em artigo no "Valor". Como em toda divergência técnica, detalhamos nossos argumentos, as evidências que conhecemos e as referências acadêmicas.

No artigo, convidamos quem defende a proposta a apresentar argumentos contrários.

Além disso, não parece boa prática adotar uma política pública a partir de um texto para discussão com escassa evidência empírica, ainda mais sugerido para um caso bastante diferente do nosso.

Em entrevista recente ao "Valor", Cochrane critica economistas "muito rápidos" que propõem políticas públicas baseadas nas suas mais recentes pesquisas. "Não vou entrar na armadilha de recomendar ao Federal Reserve que dê um mergulho no meu último artigo".

Segundo ele, as pesquisas indicam que há mais incerteza do que se acredita sobre os impactos da política monetária. Por isso recomenda cautela, não ousadia.

Questionado sobre o Brasil, rejeita "veementemente" a adoção da sua tese por aqui, depois de saber da nossa inflação e da taxa de juros. Não daria certo. No jargão de Elio Gaspari, Cochrane interditou a proposta de André Lara.

Segundo Cochrane, as circunstâncias recomendam "uma política fiscal sólida como uma rocha", e com isso André Lara, Samuel Pessôa e eu concordamos.

A propósito, estamos assistindo no Brasil à queda da inflação depois de um longo processo de aumento dos juros. Exatamente o inverso do previsto pela proposta.

Albert Einstein escreveu sobre sua visita ao Rio de Janeiro em 1925. Elogiou a diversidade étnica e a generosidade da natureza. A elite, porém, deixou uma impressão menos favorável. Suas conferências científicas atraíram militares e diplomatas, suas mulheres e filhos, fascinados pela reputação do gênio, ainda que não entendessem muito bem o porquê.

"Compreensão impossível, a começar pela acústica. Pouco conhecimento científico. Eu sou um tipo de elefante branco para os outros, eles para mim uns tolos", relata Einstein.

Muitos comentaram tecnicamente a proposta de André Lara. Outros, porém, a defenderam na imprensa com argumentos em que sobram adjetivos na ausência de evidências. O Brasil de 2017 ainda tem muito do Rio de 1925.


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