Folha de S. Paulo


E se o samba tivesse se acovardado frente à perseguição?

RIO DE JANEIRO - Ninguém que venha acompanhando a gestão de Marcelo Crivella há de ter se espantado com a decisão de proibir que um museu municipal, o MAR, recebesse a mostra "Queermuseu", que havia sido banida pelo Santander após breve temporada em Porto Alegre.

Espantoso mesmo foi o tom de deboche que o prefeito usou para anunciar sua decisão, num vídeo publicado em redes sociais. "Saiu no jornal que ia ser no MAR. Hã, só se for no fundo do mar, porque, no Museu de Arte do Rio, nãããão", disse ele, rindo e gesticulando como quem fala com crianças.

A postagem é acompanhada por um texto que indica que Crivella confundiu a mostra que o MAR sediaria com outra que causou polêmica recente: "Não é legal estimular uma criança a tocar em um homem nu em 'nome da arte'". A "Queermuseu" não tem tal performance.

A censura por parte do prefeito não espanta porque é apenas mais um exemplo de sua indiferença em relação à cultura, que ocasionalmente extrapola para o preconceito de cunho moral, dada sua notória religiosidade.

Basta lembrar da antipatia dedicada ao Carnaval, que ele primeiro ignorou e, depois, tentou prejudicar, cortando a verba das escolas de samba —as mesmas às quais recorreu no período eleitoral, com incrível desfaçatez.

Há outros marcos do desserviço que Crivella vem prestando às artes: o fim dos repasses à Orquestra Sinfônica Brasileira, que simplesmente não teve temporada neste ano; a anulação do programa de fomento de 2016, que deveria ter pagado R$ 25 milhões a 204 projetos culturais, neste ano; seu discurso à classe artística pouco após a posse, quando disse que os artistas "trocam sua arte por um sorriso, um sentimento, um aplauso" e que deveriam "fazer mais com menos".

Particularmente triste é ver Nilcemar Nogueira, neta de Cartola e de Dona Zica, manter uma postura conivente à frente da secretaria de cultura. No caso do veto à exposição no MAR, ela negou censura e disse que era uma questão de segurança, já que a mostra vem sendo alvo de manifestações violentas dos que se opõem a ela.

Secretária, imagine o que teria acontecido com o samba se pioneiros como seu avô tivessem se acovardado frente à perseguição e à violência de que foram vítimas por tanto tempo.


Endereço da página:

Links no texto: