Folha de S. Paulo


Militares contra a Justiça civil

Apu Gomes/Folhapress
Soldado inspeciona mochila durante operação contra roubo de cargas no Rio de Janeiro

RIO DE JANEIRO - Externando o que possivelmente é uma visão majoritária nas Forças Armadas, o comandante do Exército, general Villas Bôas, usou uma rede social para mostrar seu pouco apreço pela Justiça civil, ao menos quando a ela compete julgar seus soldados.

"A Op GLO [operação das Forças Armadas] no RJ exige segurança jurídica aos militares envolvidos. Como comandante tenho o dever de protegê-los. A legislação precisa ser revista", escreveu ele, na segunda (7). A lei que o general quer mudar é a que determina que militares sejam julgados pela justiça comum quando cometem crimes dolosos contra a vida de civis.

Há um projeto de lei, atualmente no Senado, que prevê que esse tipo de crime seja tratado pelos tribunais militares. A proposta foi lançada no ano passado, visando a Olimpíada, e foi aprovada na Câmara dos Deputados. Em linhas gerais, é a criação de um foro privilegiado para soldados que matem civis.

É difícil entender por que Villas Bôas acha que falta "segurança jurídica" para seus homens atuarem no combate à violência no Rio. Se um dos 10 mil militares da ocupação matar um civil —ainda que seja um criminoso—, será julgado pelos mesmos tribunais que julgam PMs e todos os demais cidadãos, com o mesmo direito à defesa. Por que isso os deixaria desprotegidos?

Para cumprir o dever de proteger seus homens, basta ao general dar-lhes treinamento e equipamentos adequados. Colocá-los fora do alcance da lei dos cidadãos comuns, no contexto da atuação no Rio, não é proteção, é licença para matar.

De resto, além de sinalizar desprezo pela Justiça civil, a manifestação demonstra pouco conhecimento dela: numa cidade em que quase todas as mortes cometidas por PMs viram "auto de resistência", não são as forças de segurança que estão desamparadas nos tribunais.


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