Folha de S. Paulo


'Deixa na Régua' mostra a arte e a linguagem dos cortes de cabelo

Reprodução
Cena do documentário
Cena do documentário "Deixa na Régua", de Emílio Domingos

RIO DE JANEIRO - No Réveillon de 2011, fui escalado para acompanhar a virada na Rocinha. Chamou-me a atenção o movimento frenético nos salões de cabeleireiro da favela, mesmo tarde da noite de 31/12, quando supus que a maioria das famílias já estaria em torno da ceia.

Esse fenômeno da atração dos jovens pelos salões está registrado em "Deixa na Régua", documentário de Emílio Domingos. Vencedor do prêmio especial do júri na mostra Novos Rumos, do Festival do Rio, ele terá sessões na 40ª Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, nesta sexta (28) e sábado (29).

Antenado com as modas da juventude pobre carioca — seu doc anterior foi "A Batalha do Passinho", sobre a dança homônima —, o cineasta acompanha três cabeleireiros que representam um movimento peculiar, mas bem disseminado em comunidades: o que transforma os cabelos em matéria-prima para criar desenhos e formas geométricas variadas.

Com navalhas, máquinas e tesouras, eles esculpem as cabeças de uma clientela predominantemente jovem, que não tem problema em assumir sua vaidade. Além dos cortes, fazem sobrancelha, modelam barbas, usam toucas para alisar ou colorir as mechas.

"Semana passada fui pro baile cabeludão, sem fazer o pé [do cabelo], barba grande, fiquei como? Oprimidão", diz o cabeleireiro Ed para um cliente. Ele concorda: "Teu ego muda, tu fica se sentindo bem na sociedade." Os garotos pesquisam cortes na internet e mostram, com o celular, para que os barbeiros reproduzam em suas cabeças. Estes, por sua vez, tiram fotos dos melhores trabalhos e postam em suas redes sociais.

O filme também mostra como há toda uma simbologia oculta nos cortes, que não é captada por quem é de fora. "Aqui na área só pode pintar o cabelo de loiro quem é vagabundo [criminoso] mesmo, pra não confundir", avisa Ed.


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