Folha de S. Paulo


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Ressaca de direitos

RIO DE JANEIRO - "Conseguiram constranger a polícia. Se ela atua, abusou de poder. Se não atua, prevaricou." Assim, o secretário de segurança do Rio, José Mariano Beltrame, justificou a inércia do órgão que comanda e que resultou nas cenas vistas no último fim de semana nas praias da zona sul carioca.

De um lado, arrastões e roubos na areia e nas ruas; de outro, justiceiros aplicando por conta própria o que entendem como "justiça".

A polícia não atuou preventivamente, preferindo perseguir os criminosos após os roubos; no caso dos justiceiros, não agiu nem a posteriori, deixando que uma milícia de mais de 30 lutadores atacasse ônibus suburbanos em busca de "moleques de chinelo, com cara de quem não tem R$ 1 no bolso", como disse um deles à Folha.

A inércia policial veio após a Defensoria Pública conseguir uma decisão judicial que pedia o óbvio: em suas blitze, a PM não deveria apreender quem não tivesse dado motivo para isso.

Para Beltrame, é oito ou 80: ou a sociedade aceita que a PM aja como os justiceiros, apreendendo menores com base em estereótipos, ou não há como evitar arrastões. "Vivemos uma ressaca de direitos", disse ainda o secretário.

Não se sabe quem seriam os beneficiários de tal ressaca. No último verão, entre novembro de 2014 e março de 2015, a PM recolheu nas ruas da zona sul 730 crianças e adolescentes que não haviam cometido nenhuma infração, conduzindo-os a um abrigo público. Para surpresa de ninguém, prender inocentes não teve efeito sobre os arrastões.

Há jovens vindo da zona norte e fazendo arrastão na zona sul. Diferenciá-los dos inocentes, num ônibus ou numa praia lotados, talvez não seja tarefa simples. Mas, se a polícia carioca não consegue executá-la sem desrespeitar direitos, em nada se diferencia dos justiceiros.


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