Folha de S. Paulo


marco aurélio canônico

Ilha pura

RIO DE JANEIRO - Se havia dúvida quanto ao significado da "pureza" expressa no nome do principal empreendimento imobiliário do Rio atualmente, o condomínio Ilha Pura, que está sendo erguido na Barra, o empresário por trás da obra fez questão de esclarecê-la.

"Como é que você vai botar o pobre ali? Ele tem que morar perto porque presta serviço e ganha dinheiro com quem pode, mas você só deve botar ali quem pode, senão você estraga tudo, joga o dinheiro fora", disse Carlos Carvalho, dono da Carvalho Hosken, em entrevista à BBC.

Erguidos em consórcio pela empresa de Carvalho e pela Odebrecht, os 31 prédios do Ilha Pura, com 3.604 apartamentos, vão receber os atletas da Rio-2016 antes de serem vendidos –pelo uso, os organizadores dos Jogos pagarão R$ 255 milhões.

O "Bairro Ilha Pura", como o empreendimento é identificado na propaganda, "tem um compromisso com o bom gosto, o luxo e a sofisticação". Sua unidade mais barata, com 90 m2, custa quase R$ 800 mil.

O condomínio é a expressão máxima não só de uma cultura de isolamento, mas das oportunidades de negócio criadas pelo poder público a partir da conquista dos Jogos-2016.

Para ajudar a criar sua ilha sem pobres sequer ao redor, Carvalho teve a ajuda da prefeitura, que removeu a favela da Vila Autódromo, situada quase em frente ao empreendimento. A mesma prefeitura construiu um sistema de ônibus expresso (BRT) que trará os pobres de longe para trabalhar nos luxuosos apartamentos, mas sem esperar que os ricos usem o transporte público –que, de resto, já está superlotado.

Dada essa visão, não espanta que o Ministério Público do Trabalho no Rio tenha resgatado na obra 11 trabalhadores que estavam em situação análoga à escravidão. Afinal, pobre "ganha dinheiro com quem pode", mas, se puder nem ganhar nada, tanto melhor.


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