Folha de S. Paulo


Evoé, Zé!

Quando o mundo digital ainda engatinhava à base de telas de fósforo verde, impressoras matriciais e arquivos trocados em disquetes de 5 ¼, eu já stalkeava sem saber o que era isso.

Em 1991 era dura a vida de um stalker analógico. Você tinha que descobrir com certa antecedência onde a pessoa estaria, conseguir se aproximar para vê-la e –se desse muita sorte —conseguir trocar algumas palavras. Dito isso, quero confessar que já fui stalker de José Celso Martinez Corrêa.

Débora Gonzales/Folhapress

No Tablado fui apresentado ao texto de "O Rei da Vela" e à definitiva montagem que o Teatro Oficina fez em 1967, sob direção de Zé Celso.

A partir daí me dediquei a entender o máximo que podia sobre o processo do Teatro Oficina e a figura fascinante de Zé Celso. Seu amor pelo teatro, sua loucura dionisíaca, suas ideias e ideais me pegaram de jeito. Decidi perseguir Zé Celso quando ele pusesse os pés no Rio.

Não tardou e consegui vê-lo em algumas entrevistas abertas ao público, mas não tive meios ou coragem de falar com ele. Até que...

Eu saía de um filme no Estação Botafogo e me deparo com uma concorrida noite de autógrafos na livraria do saguão. Era Zé Celso, que lançava ali o primeiro volume de seu livro sobre o Oficina. Entrei na longa fila.

Na quase uma hora de espera ensaiei muitas coisas para dizer. Todas me soavam caretas. Eu não tinha o direito de ser careta na frente de Zé Celso. Então me lembrei que em várias ocasiões ele saudava o público com "Evoé", o grito com que as bacantes evocavam Dionísio. Pronto, tinha achado minha conexão com ele.

Chegou a hora. Estava finalmente, anos de espera, na frente de Zé Celso. Estiquei o livro e caprichei: "Evoé!". Ele devolveu sereno com a caneta sobre a página: "Seu nome é Evoé?". Sim, encontrei Zé Celso careta, achando que era pra dedicar o livro a algum Evoé.

Eu respondi: "Não... Marcius". Ele assinou e saí meio constrangido.

Depois desse episódio nunca mais encontrei Zé Celso. Mas queria muito encontrá-lo hoje e dar nele um forte abraço. Não só pelos 50 anos da montagem de "O Rei da Vela" mas pela sua luta para que o projeto do Oficina não seja descaracterizado pelo que Silvio Santos quer erguer em volta, encaixotando o teatro com três torres residenciais e tirando dele a interação com o Bixiga.

A quem quiser entender melhor a questão, recomendo a coluna brilhante de Maria Ribeiro, na última quarta, em "O Globo".

Eu, que comecei stalker analógico de Zé Celso, hoje sigo essa história virtualmente, mas me sinto ao lado dele e de sua resistência.

Evoé, Zé!


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