Folha de S. Paulo


Nem a ciência nem a religião evitaram a tristeza da morte do meu amigo

O receio de perder o outro nasce com a gente. E, por ironia, é a única coisa que a gente não perde.

Ainda bebês, ficamos em pânico com aquela sádica brincadeira do "Cadê papai? Achou!" ou "Sumiu/ apareceu".

Quando nossos pais escondem o rosto com as mãos, nos presenteiam com um segundo e meio de pavor absoluto e depois sorriem do nosso medo de que eles nunca mais estivessem ali.

Anos depois, quando o sádico já era eu, perguntei à minha analista se era justo brincar disso com as minhas filhas.

Débora Gonzales/Folhapress
Ilustração de Débora Gonzales para a coluna de Marcius Melhem de 18 de junho de 2017

E aprendi que há um efeito positivo nesse jogo, pois a perda momentânea é seguida da reafirmação da presença.

A criança passa a saber que se o pai se esconde com as mãos, ou vai trabalhar, ou viaja, ele voltará.

Mas o receio de perder o outro continua em nós.

Uma vez li um estudo sobre a morte que falava sobre como ela foi sendo desnaturalizada na civilização ocidental.

Antigamente, se alguém estava à beira da morte, ficava deitado em sua cama, recebia seus familiares e amigos, partilhava seus bens, dizia suas últimas palavras e os mais próximos se despediam.

Havia uma transição entre o estar/não estar. A despedida tinha muita importância.

Com o avanço da medicina, a morte foi sendo tirada do nosso convívio.

Se alguém está mal é logo internado, e quanto pior estiver, menos pode receber visitas.

Quando a morte chega, não temos mais a despedida.

Só a notícia.

Nós temos muito medo da morte. E dedicamos bilhões de qualquer moeda para que a ciência nos ajude a adiar esse encontro marcado.

Outros tantos bilhões circulam na indústria da fé, para que nos convençam de que a morte não existe de fato.

Nesta semana, nem a ciência nem a religião evitaram a tristeza da morte do meu amigo Moreno.

Queria muito que ele estivesse brincando de "Sumiu/apareceu".

Queria muito ter me despedido.

Um enorme beijo e todo meu amor pra você, Moreno.


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